QUANTO TEMPO! Pois é, desde maio eu não fazia um post aqui, então resolvi ressurgir das trevas falando brevemente sobre uma das minhas atrizes favoritas: Glenda Jackson! Se você é um fã da Sétima Arte que se preze, deve ter pelo menos ouvido falar dela, nem que seja de nome, já que ela teve uma carreira bem sucedida nos anos 70 e venceu o Oscar duas vezes na categoria de Melhor Atriz pelos filmes Mulheres Apaixonadas (Women in Love, 1969) e por Um Toque de Classe (A Touch of Class, 1973). Eu sei, o Oscar é cada dia mais deprimente e no fim sempre foi uma cerimônia cafonérrima, mas antigamente eu ainda via graça pois tínhamos sempre saudosos nomes de peso concorrendo, mesmo que os vencedores fossem contestáveis. Questionada sobre as estatuetas, ela diz que um o sobrinho pegou emprestado para um projeto de ciências (e talvez nunca tenha devolvido), enquanto o outro devia estar em algum lugar do sótão. E já dizia ela, ''são belos presentes de um dia, mas não fazem você ser melhor''. E mesmo tendo vencido o dito maior prêmio do cinema, ela provou que era muito mais que isso! Esse ano a atriz e parlamentar completou 80 anos, e acho uma pena que Glenda não seja tão lembrada nos dias de hoje, então vou fazer um pequeno insight de sua carreira e também falar um pouco de sua carreira inusitada: como deputada pelo Partido Trabalhista no Congresso Britânico!!
Foi vendo A Touch of Class que eu comecei a gostar da Glenda, achei ela linda (no auge da beleza!), de uma beleza ''diferente'', espirituosa, e com grande talento para a comédia (ela ficou mais famosa pelos dramas e virou uma das grandes damas do teatro britânico), tanto é que venceu o Oscar enquanto concorria com nomes como Ellen Burstyn pelo filme O Exorcista (boatos que no dia ninguém acreditou que Glenda tinha ganhado, pois era a menos cotada para vencer. Depois justiça seria feita e Ellen venceu pelo filme Alice Não Mora Mais Aqui). Mas intrigas à parte, o filme pode não ser uma obra inesquecível e até envelheceu, mas é uma comédia bem escrita e ainda temos a excelente química de Glenda com o também subestimadíssimo George Segal (outra grande figura dos anos 60 e 70, seja em dramas ou comédias - quem lembra dele em Quem Tem Medo de Virgínia Woolf ao lado de Sandy Dennis?). Basicamente Segal é um homem de negócios casado e Glenda uma estilista moderna recém-divorciada; os dois se conhecem e resolver ter um affair mas sem qualquer compromisso, e é claro, os dois acabam se apaixonando e muitos conflitos surgem daí, desde os mais cômicos até os mais dramáticos, e nada sai como o planejado.
Mas depois pude conferir a interpretação mais visceral de Glenda que seria mais para trás, em 1969 na adaptação de Ken Russell do romance de D.H. Lawrence: Women in Love (Mulheres Apaixonadas, NÃO É A NOVELA DA GLOBO GNT). Pois bem, aqui ela literalmente DESTRÓI em cena, um deleite de se ver e de se ouvir. O filme é marcante por tratar de nudez, sexo e amor de forma bastante madura, e podemos sentir a profundeza para além dos diálogos e da forma, pairando uma aura de mistério e também de grande pungência existencial até nas coisas mais simples retratadas aqui no drama sobre a Inglaterra dos anos 20, sobre dois homens e duas mulheres que se relacionam e encaram o amor, os relacionamentos e a vida cada um de uma forma, desembocando em relações ora afetuosas ora tempestuosas. Ainda não li o livro para dizer que é uma adaptação fiel, mas como filme é imperdível ! E foi um veículo de peso que trouxe reconhecimento mundial para Glenda Jackson, que ao longo da década de 70 emplacou seu nome como uma das atrizes mais talentosas em atividade na época.
Parênteses: Glenda estava grávida quando gravou Women in Love, e ela aparece com os seios à mostra em parte do filme, o que depois a faria dizer que ''nunca mais teve seios tão maravilhosos'', risos.
Glenda se formou na Royal Academy of Dramatic Arts (RADA) e fez sua estréia na peça Separate Tables, em 1957, e estreou nas telas do cinema em This Sporting Life, seis anos depois em 1963, e sua carreira dali por diante só decolou. Sua beleza, inteligência e classe se somavam brilhantemente ao seu enorme talento. Boa parte dos papéis que eram recusados por outras atrizes Glenda aceitava, e vendo sua carreira ela ficou marcada por interpretar personagens difíceis, complexas e que exigiam muito, o que na época despertou a atenção e admiração até da rainha Bette Davis (!), que também construiu sua carreira seguindo caminho semelhante. O foco nunca foram os prêmios ou a fama: o foco foi sempre o trabalho, o qual era sempre muito duro, e o resultado sempre digno de palmas.
E assim como Bette e tantas outras atrizes de peso, Glenda também interpretou a Rainha Elizabeth numa série produzida pela BBC, numa memorável performance que lhe rendeu o Emmy de Melhor Atriz. E ainda em versão filmada da vida da monarca, Glenda dividiu a tela com a outra rainha Vanessa Redgrave, aqui vivendo a Rainha Mary.
Novamente com Ken Russell, a britânica fez o filme Delírio de Amor (The Music Lovers) - uma cinebiografia do compositor russo Tchaikovsky aqui vivido por Richard Chamberlain. Homossexual na sociedade conservadora russa, o compositor tentou esconder o fato casando por conveniência com Nina (Jackson), uma mulher instável e ninfomaníaca. EITA!
Outro trabalho bastante lembrado é no filme Domingo Maldito (Sunday Bloody Sunday, 1971), onde os personagens de Jackson e de Peter Finch formam um triângulo amoroso conturbado com o jovem vivido por Murray Head. Filme polêmico por trazer à tona temas tabus como a homossexualidade, a qual até pouco antes ainda era considerada crime na Inglaterra. Um tiro na família tradicional não faz mal a ninguém:
O filme foi lançado pela Criterion Collection recentemente!
Outras duas interessantes amostras da versatilidade de Glenda: a comédia simpática com Walter Matthau, House Calls (1978) e a adaptação para o cinema da polêmica peça de Jean Genet: The Maids (1974). Essa mulher realmente podia transformar qualquer papel em ouro! E de brinde ela divide a tela com Susannah York, que já tinha brilhado em filmes como Imagens, de Robert Altman, e o filme de sapatão cheio das tretas The Killing of Sister George em 1968. Adoro!
Glenda foi casada apenas uma vez com Roy Hodges até o divórcio em 1976, e da relação teve um filho, Dan Hodges, que hoje é jornalista. Com um carreira bastante frutífera tanto nos palcos como nas telas, em 1992 a atriz tomou uma grande decisão que mudaria os rumos de sua carreira: ela decide deixar a carreira de atriz para entrar na política!
Eleita no mesmo ano como deputada pelo Partido Trabalhista (Labour Party), foi reeleita anos depois e também foi Ministra dos Transportes nomeada pelo então Primeiro-Ministro Tony Blair em 1997. Sua carreira como parlamentar duraria até o ano passado, somando-se 23 anos! Mais 30 anos anteriores na carreira de atriz, a britânica soma quase 60 anos de trabalho duro, seja nos palcos ou no legislativo. Glenda acabou virando a única política que possuía dois Oscars. Na época que decidiu virar deputada, Marlon Brando (também sempre envolvido em causas políticas e sociais, vide a mulher vestida de índia indo receber seu Oscar por The Godfather) lhe escreveu uma carta parabenizando-a pelo posicionamento, mesmo que eles nunca tenham se encontrado. Glenda o considera seu ator predileto ao lado de Paul Scofield (famoso pelo filme O Homem que Não Vendeu Sua Alma).
O que motivou Glenda Jackson a entrar para a política foi tentar ajudar a construir um governo trabalhista, fazendo oposição ao governo conservador da então Primeira-Ministra Margaret Thatcher. E um dos momentos mais lembrados de Glenda no Parlamento foi justamente após a morte de Thatcher, em 2013, quando estavam sendo feitas homenagens à falecida ''Dama de Ferro'' (que foi retratada anos antes antes naquele filme chorume com a Meryl Streep) e a música top do momento era a clássica do filme O Mágico de Oz: Ding Dong The Witch is Dead! Enquanto eram feitas diversos tributos exaltando a ex-primeira ministra, o discurso de Jackson foi duro, forte e realista. As cadeiras reservadas à ala trabalhista estavam quase vazias, e Glenda mesmo sob forte insatisfação da bancada conservadora (lotada), não poupou críticas ao thatcherismo, já que desde sempre Glenda foi engajada politicamente, mesmo antes de entrar na política. "Qualquer coisa legal que eu poderia ter feito para nos livrar de Margaret Thatcher e seu governo eu estava preparada para fazer", dizia.
Thatcher, a 'Dama de Ferro'
Criticada pela dureza de sua fala durante a homenagem, Glenda sentiu a necessidade de mostrar a realidade da Era Thatcher e seus efeitos negativos no país, sem enfeites, e além da discussão político-partidária que faz parte do processo democrático, para evitar que ''a história fosse reescrita'' já que muitos prestavam tributo a Thatcher ignorando o lado negro de sua gestão controversa ou fantasiando a verdade dos fatos, a qual revoltava Jackson tão profundamente, e era contrária a tudo o que ela acreditava, já que foi o grande motivo que a levou a seguir a carreira política, de forma que ela nunca mais voltou a atuar e até recusou trabalhos e entrevistas que a remetessem à antiga profissão para se entregar de cabeça ao seu novo caminho profissional. No fim de sua fala memorável, Glenda finalizou cáustica: ''[Thatcher] A Primeira Ministra do gênero feminino, tudo bem. Mas uma mulher? Não nos meus termos!''
O discurso de Glenda, além de vários outros relacionados a seus trabalhos políticos, se acham facilmente na Internet e vale a conferida!
https://www.youtube.com/watch?v=XDtClJYJBj8
Tendo sido atriz e política, ela pôde fazer várias reflexões interessantes. Miss Jackson pensa que atores e políticos estão ambos "tentando definir ou colocar no lugar como os seres humanos podem criar uma sociedade que funcione para todos", e acrescenta: "Os melhores dramaturgos estão sempre perguntando: 'Quem somos nós? O que nós somos?'". Afinal de contas, artistas e políticos (os realmente sérios) estão a buscar a sua verdade e o melhor para a sociedade e para o mundo onde vivem, isso quando não são simplesmente péssimos atores vendendo mentiras. E brincando, ao comparar os palcos com o parlamento: ''A diferença é que no Congresso a iluminação é pavorosa e a acústica horrível''. E ela lamenta que mesmo após décadas, a indústria cinematográfica ( e não só ela) continua fechada para as mulheres em muitos aspectos, e mesmo que tenham havido avanços nesse sentido, ainda há muito a se alcançar.
Julio Cortázar escreveu um conto muito bonito em homenagem à Glenda, chamado em espanhol de Queremos tanto a Glenda. Leia aqui .
Julio Cortázar escreveu um conto muito bonito em homenagem à Glenda, chamado em espanhol de Queremos tanto a Glenda. Leia aqui .
Ano passado, depois de mais de vinte anos de trabalho duro como política, hoje aos 80 anos, Glenda Jackson decidiu se aposentar da carreira política, não vai mais se reeleger e agora está aproveitando o tempo de descanso, depois de décadas seguidas de trabalho incansável. Porém, Glenda topou fazer uma série de rádio na BBC, e confessou sentir as mesmas borboletas no estômago que sentia antigamente, nos primórdios da carreira de atriz. Ela não gosta de traçar grandes planos para o futuro, mas possivelmente poderemos ter Glenda de volta aos palcos e quem sabe às telas de cinema?! Em qualquer decisão que tomar, terá sempre nosso apoio e nossos maiores desejos de sucesso :D
Tive a honra de receber o autógrafo dessa musa ano passado, um pouco antes dela se aposentar do Congresso Britânico (foi super rápida!) . Guardo com muito carinho <3
E por hoje é só, pessoal! Estou devendo um post sobre a diva Lauren Bacall, além de outras pautas legais, e mesmo na correria que eu ando, vou tentar atualizar mais aqui e também trazer sempre bom conteúdo na página. STAY TUNED! Beijos da Noviça ♥
UPDATE: Glenda pelo visto está de volta à ativa! A atriz, uma das maiores de sua geração e quiçá de todos os tempos, mal estreou nos palcos pela primeira vez depois de um hiato de 25 anos e já deu o que falar por um bom tempo, vivendo o Rei Lear numa montagem ousada da peça de Shakespeare. Realmente ela já chegou destruindo nesse comeback. Bem-vinda de volta, Ms. Jackson ! ♥