quinta-feira, 28 de março de 2024

Carole Lombard: Diva da Comédia Screwball e Grande Amor de Clark Gable (Biografia e Cinema)



A atriz norte-americana Carole Lombard nos deixou muito cedo em 16 de janeiro de 1942, com apenas 33 anos de idade. Ela, sua mãe e mais 20 pessoas a bordo do voo TWA Flight 3 perderam tragicamente suas vidas quando a aeronave colidiu contra a Montanha Potosi, região de Las Vegas, no estado de Nevada, Estados Unidos.

Carole foi a primeira vítima fatal de Hollywood durante a Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos haviam recém-entrado no conflito, após o ataque à base de Pearl Harbor pelos japoneses em dezembro de 1941, pouco mais de um mês antes do seu acidente. Lombard, então no auge da fama, foi uma das primeiras estrelas do cinema americano a se engajar publicamente na causa da guerra. Ela voltava de avião justamente de uma bem-sucedida viagem para arrecadar fundos através de títulos de guerra (war bonds) em Indianapolis, capital da sua terra natal, o estado de Indiana. Em uma única noite, Carole vendeu mais de $2 milhões de dólares em war bonds (hoje na conversão o valor gira em torno de 37 milhões de dólares).

No seu último dia completo de vida, 15 de janeiro de 1942, cantando o hino nacional americano com a casa lotada durante a sua bem-sucedida turnê de war bonds. Carole foi a primeira celebridade a fazer uma turnê de guerra. Após a sua morte, muitos artistas aderiram e saíram pelo país fazendo shows e promovendo eventos em prol da causa patriótica. Foto de Myron H. Davis para a revista Life

A presente homenagem vem celebrar a vida e a carreira de Carole Lombard, considerada a rainha das comédias malucas de Hollywood, as chamadas screwball comedies, ao lado de outras grandes comediantes como Jean Arthur (sobre a qual já fizemos post no passado), Irene Dunne e Rosalind Russell. Mais do que uma artista de talento, Carole Lombard foi uma mulher à frente de seu tempo em diversos aspectos. Carole, junto com Barbara Stanwyck e outras, foi uma das primeiras atrizes a trabalhar como freelancer dentro do sistema castrador e opressor dos antigos estúdios; tal era o seu sucesso que ela conseguiu manter a sua liberdade dentro do star system e ser a atriz mais bem paga na época de seu auge de estrela (final dos anos 1930). Depois, durante a década de 40, Barbara Stanwyck se tornou a atriz mais bem paga de Hollywood e dos EUA, também uma freelancer que transitou por todos os grandes estúdios daquele tempo. 



Lombard também fez história na cidade dos sonhos por ser, além de inquestionavelmente bela, uma mulher moderna e de personalidade, em frente e fora das câmeras. Falava palavrões sem nenhum pudor e tratava os homens de igual para igual, deixando-os muitas vezes constrangidos e sem fala, mas nem por isso deixava de conquistá-los.




Diferente das típicas reuniões aborrecidas cheias de paródias e egos faraônicos em Hollywood, promoveu festas divertidas que entraram para a mitologia hollywoodiana, sempre marcadas por sua criatividade infindável e brincadeiras excêntricas, típicas de seu jeito espirituoso e brincalhão de ser.



Em contrapartida, quando amou e se casou com Clark Gable, o rei de Hollywood, se tornou uma esposa devota ao seu marido; procurava de todas as formas entendê-lo e respeitá-lo. Após a sua morte precoce em 1942, Gable nunca mais foi o mesmo e pareceu sempre procurar preencher o vazio deixado pela partida de Carole. No rancho do casal em Encino, Califórnia, o quarto de Lombard foi mantido exatamente como ela havia deixado antes de viajar, para nunca mais voltar. E quando Gable faleceu, em 1960, mesmo já tendo se casado de novo mais de uma vez, ele foi enterrado ao lado de sua amada Carole Lombard.




JANE PETERS: Infância em Indiana e juventude em Los Angeles


Ela nasceu Jane Alice Peters, libriana do dia 6 de outubro de 1908, com ascendente em Gêmeos e lua em Peixes. Com o elemento Ar forte em sua tríade, nota-se logo de cara que Jane Peters/Carole Lombard era uma pessoa muito sociável, esperta, comunicativa e de personalidade forte. Como várias outras estrelas librianas, abençoadas por Vênus, foi considerada uma das mulheres mais bonitas de seu tempo. Libra e Gêmeos são dois signos de ar mais voltados para a razão e para o social, enquanto sua Lua em Peixes provavelmente deu a ela mais sensibilidade, empatia e intuição, além de um atenção para causas maiores: a política, já que foi uma democrata bastante engajada; a arte, pela qual se dedicou através de sua carreira de atriz; e a guerra, quando batalhou pela vitória americana até o dia do seu triste fim. 


A pequena Jane Peters quando criança. Foto: Carole and Co Livejournal

Tanto Libra quanto Peixes possuem uma vibe meio "esponja", de seguir o fluxo do momento ou a energia do ambiente, tornando a pessoa camaleônica - isto é, o indivíduo se adapta à situação em que se encontra. Carole foi muito assim; mesmo tendo sua personalidade própria, por vezes ela assumia um "papel" que convinha em determinado momento. Se ela era a anfitriã da festa, ela assumia esse papel e se jogava na gandaia com tudo, providenciando a melhor experiência possível para todos e virava uma palhaça. Como a atriz de Hollywood, ela escolhia os papéis a dedo e colocava todo o foco possível para alcançar o sucesso e o máximo de dinheiro que fosse possível. Se era a esposa dedicada, ela se esquecia de si e fazia de tudo pelo marido, mas sem deixar totalmente de lado a sua personalidade debochada e respondona de costume. Talvez por ser atriz, era natural para ela assumir várias "personas" diferentes. Como ela disse uma vez, existia sim uma "verdadeira Carole", mas ela não a valorizava tanto a ponto de impor essa Carole para os outros. 


Enfim, muito antes de tudo isso, ainda Jane Alice Peters, ela nasceu e cresceu no estado de Indiana dentro da alta roda. Seu pai Frederic Christian Peters (1875-1935) era de origem modesta, e o seu casamento com a mãe de Carole, a bem nascida Elizabeth Jayne "Bessie" (Knight) Peters (1876-1942) gerou polêmica na alta sociedade, mas não impediu a união. Frederic provou o seu valor e abriu um bem-sucedido negócio de ferragens.


A família viveu bem e confortavelmente por alguns anos. Frederic, entretanto, tinha uma saúde frágil; sofria sérias dores de cabeça em decorrência de um acidente que sofrera no passado. Por consequência, a sua saúde e o seu trabalho o afastavam da família constantemente. Bessie era uma excelente anfitriã, sempre promovendo grandes festas que entravam para a história dos círculos sociais da região. Carole herdaria o talento social da mãe, anos depois nas festas de Hollywood.


Carole quando criança, anos 1910. Ela era fascinada pelos filmes e seriados que passavam no cinema da época


O casamento dos pais se desgastou com o tempo, levando Bessie e seus filhos a se mudarem definitivamente para Los Angeles, Califórnia. O casal levou anos para se divorciar, mas a separação já era um fato consumado. Frederic continuou em Indiana, providenciando o sustento de seus filhos e sua ex-mulher no novo endereço. Bessie parecia preferir a vida ensolarada e agitada de Los Angeles, e provavelmente sonhava com carreiras mais interessantes para seus filhos, longe do interior tradicional e monótono. A mãe de Carole sempre foi um mulher de atitude e que não se limitava às convenções de sua época. Chamou a atenção de todos em Indiana quando ajudou ativamente a população vítima das cheias do rio St. Mary em 1913. Lombard herdou esse espírito de proatividade de sua mãe também.


Carole criança, ainda Jane Peters, anos 1910

Jane tinha apenas seis anos de idade na época da mudança para a Califórnia, em outubro de 1914. Ela, a caçula da família, tinha dois irmãos: Frederic Charles (1902-1979) e John Stuart (1906-1956). Mesmo com pouca idade, ela já dava indícios da grande beleza que teria na idade adulta.


Com sua mãe e seus irmãos em foto de família, anos 1910


Jane/Carole foi uma verdadeira tomboy quando criança. Com aptidão para esportes e de uma energia inesgotável, ela demonstrou ter muito talento em tênis (seu esporte predileto), vôlei, natação e atletismo (vencendo troféus pelo último). Também jogava baseball, o esporte americano por excelência, e foi durante uma partida, aos 12 anos de idade, que a menina foi notada pelo diretor de cinema Allan Dwan. Ele disse:


"Vi uma moleca de aparência fofa ... lá fora, nocauteando as outras crianças, jogando beisebol melhor do que os garotos. E eu precisava de alguém do tipo dela para esse filme [A Perfect Crime, de 1921]."


Sendo dirigida por Allan Dwan nos bastidores de A Perfect Crime (1921), hoje um filme perdido

Sua mãe Bessie deu todo o apoio quando o diretor convidou Carole para participar de seu filme A Perfect Crime, num pequeno papel como irmã do protagonista do filme, vivido pelo ator Monte Blue. Carole só precisou de dois dias de filmagem, mas o diretor garantiu que ela foi excelente em sua estreia no cinema. Ela apareceu nos créditos ainda com o seu nome verdadeiro, Jane Peters. Infelizmente, A Perfect Crime é considerado um filme perdido.


Com Monte Blue em A Perfect Crime

A estreia da jovem não chamou muita atenção, já que o filme não foi um grande sucesso nem amplamente distribuído. De qualquer forma, a experiência empolgou Carole e sua mãe a batalharem por mais oportunidades no cinema para a jovem, mas não foi nada fácil no início.


Após um bom período sem conseguir um novo convite, Carole foi vista por um empregado de Charlie Chaplin, quando ela estava sendo a rainha da festa Fairfax High School's May Day. Ofereceram a ela um teste para um papel no então novo projeto de Chaplin: Em Busca do Ouro (The Gold Rush). Lombard fez o teste e se saiu bem nele, mas não ganhou o papel. A Vitagraph Film Company, por sua vez, viu e se interessou por Carole, chegando até mesmo a prometer um contrato, que no fim também não se realizou. Essa última decepção se revelou positiva em um aspecto: eles haviam exigido que Jane Peters trocasse de nome para sua nova carreira, afinal arranjar um nome artístico forte e que "pegasse" era prática muito comum na época. A jovem resolveu trocar Jane por Carol, nome de uma colega sua de jogo de tênis. O nome Lombard ela tirou de amigos pessoais de sua família. Nasceu assim Carol Lombard - sim, Carol por enquanto sem o E final, que ela só acrescentou anos depois. 


Carol Lombard, ainda sem o E no final do primeiro nome

CAROL(E) LOMBARD: Primeiros filmes


O nome ela já tinha, mas a carreira ainda levaria um bom tempo para decolar. Outubro não era só o seu mês de nascimento, parecia ser também um mês de sorte. Em outubro de 1924, com 16 anos completos, Carol(e) assinou o seu primeiro contrato com a Fox Film Corporation (quando o estúdio ainda era só "Fox", sem o 20th Century), após um teste bem-sucedido. Sua mãe Bessie conseguiu o teste para a filha através de sua amizade com a colunista influente Louella Parsons. Lombard ainda estava "crua" no quesito atuação, mas sua beleza foi o motivo principal para que a Fox assinasse com ela um contrato de $75 dólares por semana. Não satisfeitos com o nome Jane Peters, o novo nome Carol Lombard foi aceito pelo estúdio.

Carole nos anos 1920. Still publicitário da época


A carreira de Carole patinou nesses primeiros anos. A maioria de seus papéis na Fox foram de figurante ("extra"), em filmes de aventura e faroeste de baixo orçamento. "Tudo que eu tinha que fazer era sorrir lindamente para o herói e gritar de terror quando ele lutava com o vilão", disse Carole depois sobre os seus anos na Fox Film.

Contudo, o carisma e a personalidade de Carole conquistavam todo o pessoal nos bastidores dos filmes. Mesmo num ambiente machista como era aquele dos faroestes, Lombard mostrou que tinha coragem e montava nos cavalos, se recusando a ter dublês para as cenas de ação. O papel mais relevante que teve nessa fase western foi em Hears and Spurs, de 1925, no qual contracenou com a estrela dos faroestes mudos Buck Jones. 

Não se sabe se Hearts and Spurs (em português Corações e Esporas) sobreviveu, não havendo até o momento nenhuma cópia conhecida em nenhum acervo


Os filmes mudos de Lombard na Fox são todos considerados perdidos. Com Buck Jones em Hearts and Spurs (1925). Jones morreu em um acidente assim como Carole: ele foi uma das vítimas do grande incêndio do Cocoanut Grove de Boston, Massachusetts, ironicamente no mesmo ano da morte de Carole, 1942


Com o grande incêndio do arquivo da Fox em 1937, em Nova Jersey, muitos dos filmes mudos e primeiros talkies do estúdio se perderam para sempre. 

Restos de rolos de filme em nitrato após o tenebroso incêndio do depósito da Fox em Little Ferry, New Jersey, em 9 de julho de 1937. Além dos filmes de Carole, quase toda a filmografia de artistas como Theda Bara e Valeska Suratt  foram perdidas para sempre. Alguns poucos filmes ou trechos desses filmes perdidos foram reencontrados posteriormente em outras coleções e ainda podem ser redescobertos com o tempo


"[Passei meus primeiros anos em Hollywood] sem saber nada sobre atuação. Eu simplesmente ficava ali na frente da câmera e fazia o que o diretor me dissesse, e tentava manter minha mente em branco para não interferir na transmissão de meus pensamentos. Algo parecia surgir na tela, mas eu nunca sabia como acontecia. Era tudo acidental."


1925 foi um ano agitado para Carole Lombard, mas de poucos papéis de destaque. Além de Hearts and Spurs, Carole protagonizou com o ator Edmund Lowe a comédia Marriage in Transit. 


Marriage in Transit hoje é considerado um lost film, então não podemos constatar se o desempenho de Carole como atriz foi tão ruim como ela disse ser.

Num de seus únicos papéis principais na década de 20, no perdido Marriage in Transit, em cena com Edmund Lowe


Apesar de estar insatisfeita com o progresso lento de sua carreira, Carole fez muitas amizades com colegas de trabalho no estúdio. Embora estivesse perdida no processo de atuar, ela gostava de outras coisas do trabalho, como ensaios fotográficos para publicidade e prova de figurinos (anos depois, ela seria uma das mulheres mais bem vestidas de Hollywood). Fora do estúdio, Lombard se jogou no estilo de vida das flappers: dança e folia, que estavam com tudo naqueles loucos anos 1920. Frequentadora assídua do lendário clube noturno Cocoanut Grove, Carole era uma excelente dançarina, o que lhe rendeu vários prêmios em competições de dança, em especial o famoso Charleston. Uma de suas "rivais" dessa época de dançarina de Charleston foi Joan Crawford, também aspirante a estrela e uma dançarina tão boa quanto Carole. As duas não chegaram a ser inimigas, mas era nítido que ambas disputavam o centro das atenções do público do Cocoanut Grove. 

O Cocoanut Grove era um clube noturno famoso e frequentado pelas grandes personalidades do entretenimento do século XX. Ele ficava no lendário Hotel Ambassador, em Los Angeles, também uma acomodação preferida das estrelas. Tanto o clube como o hotel deixaram de existir após demolição em 2006


A Fox Film não viu potencial em Lombard como atriz principal, então o estúdio decidiu não renovar o contrato com ela. Mesmo sendo uma pessoa popular e querida por muitos em Los Angeles, 1926 e 1927 foram anos pouco produtivos profissionalmente para Carole.



"Eu fui péssima [como atriz da Fox] – pior que isso, se possível. No final de um ano, eles me expulsaram. Eles deveriam ter feito isso muito antes. Nenhuma garota deveria começar a trabalhar no cinema em um papel principal. É injusto com ela e um castigo para o público."

"Logo depois que a Fox me deixou sair, um automóvel também me deu alta. Saí pelo para-brisa. Deram 25 pontos no meu rosto e até hoje carrego as cicatrizes, mas elas são quase imperceptíveis.”

Na noite de 9 de setembro de 1927, Carole estava em um carro com Harry Cooper, um namorado/date. Cooper bateu em outro carro com tanta força que o para-brisa se quebrou, e os estilhaços do vidro feriram seriamente o rosto de Carole, principalmente o lado esquerdo. A atriz levou 25 pontos no rosto e precisou passar por uma longa recuperação de meses até poder voltar a aparecer na frente de uma câmera. Por depender totalmente de seu rosto para trabalhar como atriz, Lombard chegou a pensar que a sua carreira estava acabada.

Seu rosto gravemente ferido foi salvo após uma cirurgia delicada de quatro horas


A atriz e sua mãe processaram Harry Cooper, o motorista do veículo, em 35 mil dólares por danos causados pelo acidente. O caso foi resolvido fora do tribunal e Carole recebeu 3 mil dólares. Para além das marcas físicas, o acidente mudou Carole por dentro: ela resolveu levar a vida de forma mais séria, e menos superficial como tinha sido nos seus dias de "flapper" do Cocoanut Grove. 

Carole não era extremamente vaidosa, mas como uma artista que depende de sua imagem e uma mulher com o mínimo de atenção para sua aparência, ela tinha seus truques para esconder a cicatriz: desde técnicas de maquiagem e iluminação até ideias simples como esconder parte do rosto com a mão, como na foto acima


Felizmente, a recuperação correu bem e a cicatriz que ficou em seu rosto não era muito visível, podendo ser facilmente escondida com maquiagem e iluminação favorável. Mas se prestarmos atenção em alguns close-ups ou fotos mais aproximadas, é possível enxergar a marca em seu rosto.

Um exemplo de foto com a marca em seu rosto aparecendo de leve (um pequeno risco no lado direito)

Antes do fatídico acidente, Carole havia assinado um contrato com o estúdio de Mack Sennett, famoso pelas comédias pastelão que dirigiu no cinema mudo. Ela tinha reservas com o gênero comédia "slapstick", mas acabou não só aceitando como se tornando uma das maiores beldades do estúdio de Sennett, principalmente pelo fato de aparecer muitas vezes em roupa de banho, o que chamava muito a atenção das plateias da época. Foi uma jogada de marketing de Mack Sennett que funcionou: as belas curvas da loira desviaram a curiosidade do público por suas cicatrizes faciais. 

Com Diane Ellis na praia. As duas fariam juntas o primeiro talkie da carreira de ambas: High Voltage (1929). Assim como Lombard, Ellis teve um fim trágico, só que mais precocemente: faleceu após uma grave infecção durante a sua lua de mel na Índia, aos 20 anos de idade (cinco dias antes de seu aniversário de 21 anos)

As comédias pastelão de Sennett serviram de escola para Carole. Ela aprendeu muito sobre comédia nesse período de sua carreira, o qual ela disse ter sido "o ponto de virada" de sua carreira. 

Com as "Beldades de Maiô de Sennett" (Sennett Bathing Beauties) e o próprio em 1928 - ela está de chapéu branco no meio


Como muitas de suas colegas bonitas e inexperientes, Lombard foi vítima das famosas cantadas, mãos bobas e beliscões dos homens dos estúdios, desde colegas atores até pessoal da produção. Diferente da maioria das moças, que ficava quieta e aceitava esse tipo de comportamento, Carole resolveu revidar à altura. Ela aprendeu todos os tipos de palavrões possíveis para ter na ponta da língua, quando fosse assediada por um homem. Se alguém viesse com gracinhas, Carole logo soltava um "kiss my ass" que deixava o cidadão em questão chocado com tal linguagem vinda de uma moça bonita com rosto angelical. Começava aí a lenda de sua linguagem ultrajante que divertia muitos e chocava outros. Lembrem-se de que era uma época conservadora na qual mulheres "direitas" nunca usavam linguagem chula publicamente. Carole Lombard quebrou essa regra e foi uma das pioneiras nesse quesito. Segundo o amigo roteirista e dramaturgo Garson Kanin, não soava vulgar ou feito para chocar de propósito. Era apenas uma forma dela de se expressar livremente. Quando provocada, ela poderia ter a boca mais suja que a de um marinheiro.


O uso de palavrões, mais do que uma forma descontraída e ousada se expressar, também não deixava de ser uma forma de defesa contra o assédio sexual, para mostrar que ela estava longe de ser uma criatura delicada e frágil. Falar palavrões tanto quanto ou mais do que os homens a colocava numa posição de igualdade para com eles



Com o advento do som, o cinema mudo se tornou, em um curto espaço de tempo, em uma coisa do passado. Contrariando muita gente que considerava o som apenas uma "moda passageira", os talkies vinham para ficar. Foi tudo muito rápido: antigas estrelas saíam de cena, novas estrelas surgiam; filmes inicialmente mudos eram regravados com som; microfones enormes invadiram os cenários para captar o som, até então irrelevante. O público estava faminto por novidade e entusiasmado com a nova era do som. Logo os estúdios seguiram a febre dos talkies, descartando sem dó nem piedade o cinema silencioso, que por muitas décadas se viu esquecido e rotulado injustamente de "velharia" sem qualquer valor. Por causa desse desinteresse, a maioria dos filmes mudos se perdeu em incêndios, decomposição do material, ou foram literalmente jogados no lixo.


Me, Gangster (1928), um trabalho pontual na Fox, foi um êxito em sua carreira como starlet, resultando em mais convites para papéis principais. Também é um lost film. Em português foi traduzido como O Despertar da Virtude

De volta a Carole, sua popularidade com as fitas de Mack Sennett não passou desapercebida pelo estúdio Pathé Exchange, ou simplesmente Pathé, responsável pela distribuição dos filmes de Sennett, Hal Roach e seriados como o lendário The Perils of Pauline. Lombard conseguiu papéis de destaque nos filmes Show Folks (existente) e Ned McCobb's Daughter (perdido), ainda parcialmente, não inteiramente falados. No mesmo ano, 1929, Carole protagonizou o seu primeiro filme falado, High Voltage, no qual interpretou uma criminosa sob custódia, presa com outros indivíduos num local remoto cercado por uma avalanche. O filme conquistou boas críticas, mais voltadas para William Boyd, o astro do filme. Carol, ainda sem o E, era apenas citada como "a garota" ou "a prisioneira loira". 

Lobby card de High Voltage, 1929. Mesmo sem grandes menções a seu nome, Lombard pôde mostrar o seu talento num papel de destaque. Mais protagonistas viriam em seguida... Traduzido em português como A Bola de Fogo (não confundir com Bola de Fogo de Howard Hawks, 1941)

Big News, dirigido por Gregory La Cava, diretor classudo e um de seus amigos pessoais. Esses primeiros talkies de Carole são de domínio público e se encontram facilmente online


Também em 1929, Carole protagonizou na Pathé, ao lado de Robert Armstrong, os filmes Big News The Racketeer, ambos sucessos de crítica e público. Uma das críticas de The Racketeer disse sobre ela:

“Carol Lombard é uma verdadeira surpresa e faz seu melhor trabalho até o momento. Na verdade, esta é a primeira oportunidade que ela teve de provar que tem muito potencial a ser explorado." [The Film Daily]


Com Robert Armstrong em The Racketeer, traduzido em português como O Gângster

Joseph P. Kennedy, pai do futuro presidente John Kennedy, encabeçava a Pathé na época e emprestou Carole para o diretor Cecil B. DeMille, que estava muito interessado na atriz para protagonizar a sua estreia na direção de um talkie: Dynamite. Poderia ter sido a grande chance de Carole em Hollywood, pois seria o seu primeiro papel principal em uma produção falada classe A, no estúdio MGM (onde havia "mais estrelas do que no céu"), e ainda por cima sob comando de DeMille, um dos maiores nomes da Hollywood clássica (diretor de épicos como O Rei dos Reis, Os Dez Mandamentos, Sansão e Dalila anos depois, etc.).


Fotografada por Eugene Robert Richee, circa 1929



Todavia, por razões pessoais desconhecidas, Carole não se comprometeu com o papel em Dynamite. Ela não conseguia decorar as falas nem se concentrar o suficiente, a tal ponto que acabou sendo demitida da produção do filme. O então assistente de direção e diretor de arte Mitchell Leisen (indicado a um Oscar por seu trabalho nesse filme) ficou responsável de dar a má notícia para a sua amiga Carole. Anos depois, na década de 1930, Leisen se tornou diretor e dirigiu Lombard em diversos filmes de sucesso na Paramount. Viraram amigos íntimos e confidentes.

Dynamite fez sucesso na bilheteria mas recebeu críticas mistas. Kay Johnson ficou com o papel principal após a demissão de Lombard, mas não teve uma carreira marcante no cinema


Realmente, Carole era bastante jovem na época: ela tinha apenas 20 de idade em 1929, e possivelmente o papel de peso a deixou uma pilha de nervos. Mas hoje em dia os seus biógrafos confirmam que Lombard estava tendo o seu primeiro caso sério de amor naquele tempo, o que com certeza influiu em seu desempenho profissional. O seu amante era ninguém menos do que Howard Hughes, o aviador e produtor milionário mais famoso e talvez mais controverso da Hollywood clássica. Os dois conseguiram manter o romance em segredo de tal maneira que por décadas quase ninguém soube dessa breve relação dos dois. Hughes era fascinado pela indústria do cinema, mais ainda por suas atrizes. Nos idos de 1929, Howard Hughes estava ocupado produzindo e dirigindo o filme Anjos do Inferno (Hell's Angels), uma super produção mirabolante de aviões que era até então a produção mais cara e ambiciosa de Hollywood. Dali em diante Hughes começou a sua trajetória mítica como uma das personalidades mais ricas e excêntricas do meio artístico. Hell's Angels lançou uma outra loira emblemática dos anos 1930: Jean Harlow, que assim como Carole, ainda estava trilhando os seus primeiros passos na fábrica de sonhos do cinema americano. Além de Howard Hughes, as duas loiras teriam outro homem em comum em suas vidas: William Powell. Mais sobre isso em instantes...

Uma das poucas fotos de Carole com Jean (à esquerda da foto), anos 1930. Assim como Harlow, gostava de provocar através da publicidade, dizendo que gostava de dormir nua e sem sutiã

Assim como Carole, Jean Harlow morreu muito cedo, aos 26 anos de idade em 1937. Lombard (aqui fotografada com Clark Gable no funeral da amiga) refletiu sobre a sua própria mortalidade naquele momento de luto. Mal sabia ela que também morreria jovem, poucos anos depois


O estúdio Pathé estava flopado, sendo obrigado a fazer muitos cortes - Lombard estava dentro destes cortes, saindo da Pathé em 1930. Existem boatos de que Carole foi descartada pela Pathé por sua semelhança com Constance Bennett, a então diva-mór do estúdio na primeira metade da década de 1930.

Anúncio publicitário do estúdio com algumas de suas estrelas, pouco antes de ser adquirido pela RKO, 1930. William "Bill" Boyd, co-star de Carole em High Voltage, consta na propaganda. Carole não chegou a ser considerada uma estrela classe A nesse período, sendo preterida pelo glamour de outra loira: Constance Bennett, uma das divas mais requisitadas na década de 30


Não havia espaço para mais uma estrela loira de olhos claros no estúdio, que após junções e aquisições de empresas se fundiu com a RKO Radio Pictures, um dos estúdios mais irregulares e experimentais de Hollywood. Por alguns anos a marca RKO Pathé ainda existiu, principalmente em newsreels e curtas-metragens, mas com o fim destes, e por mais alguns anos rolando nas mãos de diversos estúdios, a marca Pathé deixou de existir na década de 1960.

O antigo logo do estúdio tinha um galo cantando na abertura dos créditos




A Fox Film continuava requisitando os serviços de Carole como atriz para trabalhos ocasionais. Em 1930, num breve período sem contrato, ela contracenou com Warner Baxter em The Arizona Kid - uma sequência do premiado filme In Old Arizona, pelo qual Baxter havia vencido o Oscar de Melhor Ator


Seguindo o sucesso de The Arizona Kid, a Paramount Pictures resolveu oferecer um contrato de 350 dólares por semana para a atriz. Foi na Paramount que Carole viu a sua carreira finalmente se firmar. Não havia melhor "casa" para ela: a Paramount era um estúdio descontraído, com atmosfera jovial e descompromissada, qualidades estas que casavam perfeitamente com a sua personalidade. Tinha uma história de sucesso e pioneirismo: foi um dos primeiros estúdios de todos, antes chamado de Famous Players-Lasky, que produziu o primeiro filme oficial de Hollywood na Costa Oeste americana: The Squaw Man (1914). Mais ainda: era um estúdio muito popular com as massas, de forte apelo popular mas sem perder o charme e a elegância na confecção dos filmes. Lá havia diretores de excelência como Josef von Sternberg e Ernst Lubitsch; nos anos 1930 tínhamos na Paramount, além de Carole, estrelas como Marlene Dietrich (musa de Sternberg), Gary Cooper, Mae West, Cary Grant, Claudette Colbert, Miriam Hopkins e Fredric March. 

O seu primeiro filme como contratada pela Paramount foi Safety in Numbers (1930), um veículo de Buddy Rogers que rendeu a ela a chance de não apenas estar linda, mas muito divertida e carismática em cena.

Ousadias pré-código Hays. Em cena de Safety in Numbers, da esquerda para a direita: Virginia Bruce, Lombard, Josephine Dunn e Kathryn Crawford. Foto promocional do longa/Paramount


Seu brilho pessoal também se repetiu em Fast and Loose, no qual ela era de novo uma coadjuvante, mas com brilho suficiente para chamar a atenção do público e demonstrar o seu timing cômico nessa comédia, com roteiro de Preston Sturges (depois diretor de comédias clássicas como Lady Eve e Contrastes Humanos). Fast and Loose foi uma predecessora das comédias malucas (em inglês, screwball) que marcariam a sua carreira nos anos seguintes. 

Entretanto, a real estrela do filme era Miriam Hopkins, na época uma atriz classe A do estúdio e queridíssima por Ernst Lubitsch (sob direção dele na Paramount, Hopkins fez Ladrão de Alcova e O Tenente Sedutor). Carole depois faria piada de que sempre pegava os papéis que eram recusados por Hopkins, estrela de teatro conhecida por ser geniosa e extremamente seletiva com papéis, mais lembrada por sua rixa histórica com Bette Davis na Warner Brothers.

Com Henry Wadsworth em still publicitário da Paramount. Carole teve um curto namoro com o então roteirista Preston Sturges na época do filme

Foi no lançamento de Fast and Loose que aconteceu por acaso a mudança de escrita no nome de Lombard: a Paramount erroneamente creditou a atriz como Carole Lombard, com E no final de Carol. No fim, a atriz gostou e a partir de Fast and Loose começou a assinar Carole Lombard, e não mais Carol. Talvez por acaso, ou até por questão numerológica, vai saber, a carreira dela começou a alçar voos muito mais promissores a partir da mudança final de nome. A atriz mudou o seu nome legalmente para Carole Lombard em 1936.

Foto de Otto Dyar


ORCHID LADY E WILLIAM POWELL

1931 foi um ano ocupado para Carole: ela atuou em cinco filmes da Paramount: It Pays to Advertise, Up Pops the Devil, I Take This Woman (com Gary Cooper) e dois filmes com William Powell - Man of the World e Ladies Man. A parceria com Powell não foi apenas de trabalho - os dois engataram um romance fora das telas que terminou em casamento, oficializado no dia 26 de junho de 1931 na casa da atriz, em Beverly Hills. 

No dia do casamento em 1931

Com Kay Francis e Bill Powell em Ladies Man. Kay saiu da Paramount para se tornar a rainha da Warner Brothers dos anos 1930 (antes de Bette Davis conquistar esse posto no final da década). Powell saiu da Paramount, fez uma passagem breve pela Warner e foi se consolidar mesmo na MGM, em especial por sua parceria de vários filmes com Myrna Loy, como na saga The Thin Man



O casal Powell e Lombard era um típico exemplo de opostos que se atraem. Ela tinha apenas 22 anos e uma personalidade extrovertida, desbocada e impulsiva (sem contar a boca suja). Ele, Powell, tinha 38 anos e era um intelectual sofisticado de modos suaves. Na verdade, na vida real ambos estavam muito próximos de suas personas cinematográficas. Questionada pela imprensa da época sobre tantos contrastes, Lombard disse que justamente essas diferenças tornavam a relação estimulante, numa espécie de "amor de gangorra". 

Ele procurou torná-la mais culta e sofisticada; ela procurou torná-lo menos formal e mais espontâneo como pôde, mas assumiu muito bem por dois anos o papel de esposa dedicada e do lar

Por maior que fosse a atração entre os dois no início, o cotidiano logo foi deixando a relação esfriar gradualmente. O choque de temperamentos era inevitável, os interesses dos dois não eram os mesmos. Powell nunca deixava de interpretar o papel de homem sofisticado que fazia em seus filmes. Preferia ficar em casa ou em reuniões pequenas com o seu pequeno grupo de amigos sofisticados, como Ronald Colman (que não gostava de Carole) e Richard Barthelmess (esse já gostava da Sra. Powell). Lombard era jovem, queria agito e ir às festas, mas se contentou por um tempo em cuidar da casa e das coisas do marido. Como a típica libriana adaptável, ela fez a personagem até onde foi possível. Em suas palavras:

"Eu fui uma esposa do c*ralho, a melhor que você já viu. Do tipo "lady", como ele [Powell] queria que eu fosse."



O casamento terminou em divórcio dois anos depois, em 1933, de forma amigável. A relação com William Powell, um dos grandes da indústria, ajudou de certa forma a impulsionar a fama dela. Em 31, ela havia assinado com Myron Selznick, um dos agentes mais astutos de Hollywood que, no auge do sucesso de Lombard, soube conseguir para ela as negociações mais favoráveis e as maiores somas possíveis por contrato. O público estava cada vez mais acostumado com ela e alguns críticos previam que ela se tornaria uma grande estrela.

Com Powell em 1940, comprometidos com outros mas melhores amigos



Mesmo assim, por muitos Carole ainda era vista como uma atriz medíocre e só mais um belo rosto. Dentro da Paramount, ela levou um bom tempo até ser considerada "star material". Isso porque, apesar de sua bela figura, ela não tinha a formação teatral das conceituadas Claudette Colbert e Miriam Hopkins, por exemplo, tendo que adquirir experiência dramática por si mesma a cada novo trabalho. Lombard usava lindas roupas e era muito bonita, mas não tinha o mesmo status da loira mais glamorosa da Paramount: Marlene Dietrich. 



Na época do divórcio, Carole culpou as carreiras ocupadas dela e de Powell pelo fim do casamento. Não era o real motivo, mas não era mentira: ambos estavam fazendo um filme atrás do outro, típico da indústria da época que filmava centenas de filmes por ano. 1932 e 1933 foram anos agitados para Carole, mas poucos filmes marcantes. Nesse período ela conquistou o título de "Orchid Lady" (Dama de Orquídea), por ser uma das atrizes mais bem vestidas e elegantes da tela, consequentemente mais notada por suas roupas do que por suas capacidades como atriz. Kay Francis também sofreu desse rótulo de "clotheshorse" (literalmente, cavalo de roupas - termo vulgar para atrizes que mais "desfilavam roupas" do que atuavam).

Com o novato Cary Grant (fazendo ponta) em Sinners in the Sun, 1932. Nem esse filme nem No One Man, outro veículo seu, fizeram sucesso naquele ano


Por ainda não ser vista como estrela de grande quilate, Lombard era emprestada com frequência pela Paramount para outro estúdio, a Columbia Pictures. Note que nessa época a Columbia era malvista pela classe artística, com status de estúdio B pertencente ao Poverty Row (setor "pobre" de Hollywood dos filmes de menor orçamento). A maioria dos atores considerava um castigo ser mandado para a Columbia, mas Lombard não viu problema algum. Pelo contrário: ela aproveitou a experiência ao máximo e conseguiu dar o seu melhor em filmes de orçamento modesto que fizeram sucesso e ajudaram na sua escalada ao estrelato. Até conseguiu se dar com Harry Cohn, o chefe da Columbia odiado por todos, provavelmente por sua personalidade forte e de atitude. 

Em Virtue (1932), um de seus melhores Pre-Codes (filmes feitos entre 1929 e 1934 antes do código Hays de censura que vigorou até os anos 60 em Hollywood)


Um parêntesis: Clark Gable também soube se aproveitar de uma ida a Columbia. Como "castigo" da MGM, Gable foi enviado para a Columbia em 1934 para fazer um filme que quase ninguém em Hollywood queria, Aconteceu Naquela Noite de Frank Capra. O temido flop virou um dos maiores sucessos da década, rendendo os principais Oscars da noite para Gable, Claudette Colbert (num papel que a própria Carole se recusou a fazer), roteirista Robert Riskin, diretor Capra e ainda Melhor Filme. Com o talento de Frank Capra, a Columbia conseguiu aos poucos conquistar renome e prestígio em Hollywood. Entre 1934 e 1936, Carole teve um romance de idas e vindas com Robert Riskin, o roteirista de It Happened One Night e outros filmes de sucesso.

No More Orchids (1932), um dos filmes responsáveis pelo rótulo de "Orchid Lady" em Carole, na época mais notada por suas roupas finas em fitas dramáticas chiques, mas esquecíveis. Joseph H. August foi o diretor de fotografia, e Carole gostou tanto dos resultados que requisitou o técnico para fotografá-la novamente em Twentieth Century, sua primeira screwball notável. O diretor Walter Lang se tornou um amigo de Carole e ajudou muito em sua maturidade como atriz


No final de 1932, aconteceu o primeiro e único trabalho de Carole com aquele que viria a ser o seu grande amor, Clark Gable. Por incrível que pareça, não foi amor à primeira vista. 

Casar por azar, o único filme da dupla Gable e Lombard, anos antes do início do romance. Ele era no filme um jogador esperto e debochado; ela uma bibliotecária sagaz e nada de loira burra



No Man of Her Own, (br: Casar por azar, dir. Wesley Ruggles) era inicialmente um projeto para Miriam Hopkins, que se recusou a dividir o top billing (nome no topo dos créditos) com Clark Gable, emprestado pela MGM para fazer o filme na Paramount. O filme é uma dramédia com a típica sensualidade provocativa da era Pre-Code e temas recorrentes da época da Depressão: crime, jogos de azar, desonestidade, corrupção e redenção. Claro, com uma história de amor como centro da história.

Nenhuma fagulha surgiu entre os dois atores na época. Wesley Ruggles, o diretor, viria a dirigir mais filmes de Carole na Paramount


Os atores não morreram de amores um pelo outro. Lombard ainda era casada com William Powell e apaixonada por ele; Clark era casado com a socialite Rhea Langham, mais por convenção social, afinal todos sabiam que Gable estava tendo um affair com Joan Crawford, sua parceira frequente de cena na MGM. O ator não teve interesse em Carole na época, provavelmente acuado com a personalidade expansiva e o vocabulário sujo dela. 

Segundo ela: "fizemos várias cenas intensas de amor [no filme], em nenhum momento senti qualquer interesse real da parte dele."


No fim das filmagens, Gable deu a ela um par de sapatilhas, "para uma verdadeira primadonna". Lombard, em retorno, deu ao ator um grande presunto de presente com a foto dele estampada no rótulo. "Ham" em inglês, além de presunto, pode ser gíria para ator canastrão.

No Man of Her Own nada tem a ver com o filme noir de mesmo nome feito por Barbara Stanwyck em 1950, no Brasil traduzido como "Casei-me com um morto"


Gable aceitou a piada com bom humor 



1933 não foi um grande ano para Carole. Além do divórcio de William Powell, nenhum dos cinco filmes que ela fez foram marcantes: From Hell to Heaven, uma espécie de Grande Hotel da Paramount que passou longe do sucesso do original; Supernatural, o seu único trabalho no gênero terror; uma ponta em The Eagle and the Hawk com Cary Grant e Fredric March; Brief Moment, emprestada para a Columbia e com uma boa recepção da crítica; e por fim White Woman, no qual contracenou com Charles Laughton pela primeira vez (depois voltaram a se encontrar em They Knew What They Wanted). 

Supernatural, sua única incursão pelo gênero horror


1934, por outro lado, foi um ano emblemático na vida da jovem mulher, tanto pessoal como profissionalmente. Marcado ao mesmo tempo pelo sucesso e pela tragédia. 

RAINHA DAS FESTAS E DIVA SCREWBALL

O ano começava promissor com o sucesso do filme Bolero, no qual pôde ela explorar os seus talentos para dança ao lado do parceiro de cena George Raft, também um excelente dançarino. Porém em alguns takes mais elaborados e difíceis os dois atores foram substituídos por um casal real de dançarinos, Veloz e Yolanda.

Lançado em fevereiro de 1934, o filme escapou por poucos meses do infame Código Hays que se estabeleceu em julho daquele ano. Logo, é considerado um "Pre-Code" com muitas insinuações provocantes típicas da época anterior ao código de censura que vigoraria até os anos 1960. Direção novamente de Wesley Ruggles


As fontes divergem sobre a relação dos dois atores, mas acredita-se que os dois não tinham o melhor dos relacionamentos fora das câmeras, principalmente pelo fato de Raft ser um astro deveras temperamental, capaz de partir para a violência física com homens. Independente disso, os dois tiveram muita química e formaram um belo par de dança, a ponto de repetirem a parceria no ano seguinte com Rumba - esse muito menos bem-sucedido do que Bolero.

Em Rumba, George Raft e Lombard alegadamente discutiram porque Raft se incomodou por se achar menos favorecido do que Lombard pela direção de fotografia de Ted Tetzlaff, amigo pessoal de Carole desde Brief Moment e que trabalharia com ela em vários filmes seguintes, totalizando 10 filmes de parceria da atriz com esse seu diretor de fotografia favorito. Ele sabia não apenas fotografá-la bem para as telas, mas também sabia disfarçar perfeitamente a cicatriz no rosto de Carole.


Desavenças à parte, não faltou sensualidade nas cenas de dança e romance entre Lombard e Raft. Há quem diga que Raft e Lombard tiveram um tórrido affair e ele nunca mais se esqueceu dela


Nem Bolero nem Rumba podem ser considerados "musicais" propriamente ditos, mas sim filmes dramáticos com a dança como pano de fundo

Mas nenhuma paixão de celuloide superaria a intensidade de um caso de amor verdadeiro que a atriz vivia naquela época, entre 1933 e 1934. Lombard estava namorando o cantor Russ Columbo, de quem chegou a ficar noiva. Ela, sempre amadrinhando novos talentos, deu todo o apoio na carreira de Columbo, na época uma estrela em ascensão no cenário musical, rival de Bing Crosby como "crooner" (termo comum em inglês para cantor masculino de músicas românticas e sentimentais). Russ Columbo idolatrava Carole como uma deusa, chegando a compor as músicas "Too Beautiful for Words" and "Save the Last Dance for Me" especialmente para ela. 

E então tudo terminou abruptamente no dia 2 de setembro de 1934, quando Russ Columbo levou um tiro acidental na casa de seu amigo, o fotógrafo Lansing Brown. Segundo Brown, eles estavam vendo a sua coleção de armas e por conta de um cigarro aceso, uma das armas disparou e atingiu Columbo na cabeça, acima de seu olho esquerdo. Os médicos tentaram operar, mas não foi possível retirar a bala de seu cérebro. Russ Columbo faleceu quase seis horas depois do ocorrido, naquele domingo dia 2 de setembro de 1934. Carole ficou devastada com a notícia. 

Com Russ Columbo, circa 1934

Russ não era o primeiro e não seria o último de seu círculo íntimo a falecer precocemente. Ela mesma viria a óbito cedo demais anos mais tarde, e muitas foram as vezes nas quais ela questionou a própria mortalidade, dizendo a si mesma que deveria aproveitar a vida ao máximo, afinal tudo poderia acabar de repente, sem aviso prévio. 

Em off durante uma entrevista, Carole teria afirmado que Russ Columbo foi o grande amor de sua vida (mais do que William Powell e até mesmo mais do que Clark Gable)





We're Not Dressing (em português Cupido ao Leme), lançado após Bolero, foi uma comédia musical inofensiva com Bing Crosby, que deu alma ao filme com seu carisma e seu canto. Ray Milland, ainda desconhecido do grande público, fez um papel pequeno no filme e chamou a atenção da atriz, sempre solidária, que fez questão de impulsionar a carreira dele dentro do estúdio. Carole gravou Bolero e We're Not Dressing quase que ao mesmo tempo na Paramount. 


Também em 1934, Carole participou de Now and Forever (acima, br: Agora e Sempre) ao lado de Shirley Temple e Gary Cooper, e do drama Lady by Choice (abaixo com May Robson), que foi vendido pela Columbia como uma continuação de Lady for a Day/Dama por um Dia (a versão original do filme que inspirou a versão de Bette Davis décadas depois)




Entre 1934 e 1936, Carole Lombard marcou época com as suas festas de arromba, que acabaram por entrar na mitologia da Hollywood clássica por sua originalidade e diversão sempre garantida. Entre o período como divorciada de William Powell, namorada de Russ Columbo e início de relacionamento com Clark Gable, Carole viveu uma fase mais descontraída e festiva em sua vida pessoal. Foi uma época feliz em sua vida, porque além de ser a sensação da cidade, estava finalmente sendo reconhecida como uma atriz de talento e recebendo as melhores críticas de sua carreira até então.


Provável herança de sua mãe Bessie, que sempre foi perita em reuniões sociais, Carole demonstrou talento como anfitriã de festas criativas e inesquecíveis. Quando percebeu que muitos colegas estavam se queixando de dores e problemas de saúde, Carole fez uma festa com tema "hospital", na qual todos tinham que ir vestindo roupas de hospital. E quando os amigos passaram a se queixar de estarem sempre sentados à mesa, Lombard inovou e fez uma festa romana em que todos ficaram sentados em almofadas e sofás.

Suas festas geralmente tinham temas e uma sucessão de brincadeiras inusitadas, o que garantia diversão genuína e espontânea. De rostos conhecidos além dela na foto, vemos Kay Francis à esquerda de Carole usando uma tiara. Do blog CaroleLombard.org


7953 Hollywood Boulevard foi o seu endereço na época festeira de badalação. A sua casa foi decorada pelo amigo pessoal William Haines, ex-ator abertamente gay que deixou Hollywood por não querer fingir ser heterossexual para se manter no estrelato. Lombard e Joan Crawford ajudaram o amigo a se estabelecer como decorador de interiores deixando que ele fizesse a decoração de suas residências



Voltando aos filmes, Suprema Conquista não poderia ter sido melhor tradução para Twentieth Century, o primeiro grande triunfo de Carole Lombard como, enfim, estrela irrefutável de Hollywood. Incrivelmente, esse era o seu quadragésimo filme no cinema. Foi o seu melhor filme de 1934 e um de seus maiores clássicos.

Até então, Lombard havia sido mais uma seguidora do fluxo das coisas, sem a obstinação necessária para conseguir melhores papéis ou atuar melhor. Sim, ela era de longe a pessoa mais popular da Paramount, sempre com um sorriso no rosto e uma piada na ponta da língua. Era como estar num parque de diversões a passeio - até costumava matar o tempo andando de patins pelos estúdios. Mas ela percebeu que estava estagnada em ser a amante bonita do astro, a coadjuvante engraçada ou a loira fria e distante sempre vestida elegantemente. O divórcio de William Powell a fez pensar muito nas perspectivas de sua carreira e na sua capacidade como atriz.

Com John Barrymore na clássica comédia maluca Suprema Conquista, baseada em uma peça de Ben Hecht e Charles MacArthur. O ator não confiou muito de início na aposta de Hawks em Carole, mas pouco depois mordeu a língua e declarou que Lombard foi "a melhor atriz com quem trabalhei, sem exceção!"


Howard Hawks, o diretor de Twentieth Century, insistiu para que a Columbia contratasse Carole para o papel principal feminino do filme, uma pioneira comédia screwball sobre um megalomaníaco empresário da Broadway (vivido por John Barrymore) que inferniza a vida de sua ex-protegida, hoje uma estrela de Hollywood, para que ela o ajude a ressuscitar a carreira dele que está em decadência. 

Os caminhos de Lombard e Barrymore já haviam se cruzado em 1928, quando ele pensara na atriz para o seu filme Tempest, mas Carole acabou fora do filme. Twentieth Century foi, depois de seis anos, a primeira chance dos dois contracenarem juntos. Barrymore estava no início de seu declínio como astro, mas ainda tinha charme e renome, conhecido como "O Grande Perfil". Com o filme, Carole ascendeu para o estrelato, enquanto Barrymore aos poucos viu sua carreira e sua vida pessoal decaírem

Lombard como Lily Garland, a estrela histérica que foge do seu ex canastrão ainda mais histérico. Twentieth Century era o nome do famoso trem que viajava entre as cidades de Chicago e Nova York, muito utilizado naqueles tempos nos quais a aviação ainda não era muito presente nas viagens longas. Boa parte da história de Suprema Conquista se passa dentro do trem


De início, Carole não estava conseguindo pôr muita energia cômica na sua performance e o rendimento estava aquém do esperado. Por muitos anos, ela havia interpretado damas elegantes e frívolas, portanto aquele era um momento de transição em sua jornada de atriz. Hawks a chamou em particular e mentiu para ela, dizendo que John Barrymore, o seu co-star, supostamente disse barbaridades sobre ela. Hawks em seguida perguntou a ela: "E então, o que você faria a respeito?". Carole disse em resposta na mesma hora: "Eu o chutaria no saco!". Hawks incentivou a atriz a fazer exatamente aquilo: ser o mais natural possível e ir para cima de Barrymore, sem mais atuações engessadas e tipos. Apesar das mentiras, a tática de Howard Hawks deu certo e Carole manteve o vigor incansável na sua composição cômica maluca até o fim das filmagens, finalmente conquistando a admiração de seu colega John Barrymore. O filme não foi um grande sucesso de bilheteria, mas rendeu a Carole Lombard as melhores críticas que ela já havia recebido até então e o status de estrela classe A. 


Quando John Barrymore questionou Hawks sobre o porquê dele ter de aceitar fazer um ator canastrão no filme, Hawks disse mordazmente: "porque você é o maior canastrão que eu conheço!". Barrymore aceitou na hora o papel

"Para Carol Lombard - uma ótima atriz e uma ótima pessoa, com os melhores e afetuosos cumprimentos de John Barrymore"


Rumores dizem que Lombard e Barrymore tiveram um pequeno affair nos bastidores, mas nada sério, apenas casual. Ela disse anos depois que a fama não era falsa: Barrymore era de fato um amante caloroso na intimidade, assim como aparecia nas telas.

E dali em diante, sempre ao iniciar um novo filme, Carole mandaria um telegrama para Howard Hawks fazendo referência à história do chute, dizendo "Eu vou começar a chutar!", como se aquele fosse um símbolo do seu despontar para o sucesso absoluto no cinema


Foi em Twentieth Century que Carole estabeleceu de fato a persona maluca e histérica que viveria a partir dali em suas clássicas screwball comedies. Vale ressaltar que o subgênero screwball, isto é, a "comédia maluca", teve o seu auge durante os anos sombrios da Grande Depressão americana, servindo como um divertido meio de entretenimento e escapismo (junto aos musicais, animações e dramas luxuosos, por exemplo) naquele período tão triste e conturbado para milhões de pessoas pobres à procura de emprego e comida.

Nesses filmes, o humor é bem mais escrachado e histérico do que o normal, com muitos gritos, discussões nonsense, mal-entendidos, diálogos super rápidos, bastante comédia física (socos, tapas, quedas, etc.), acidentes, animais selvagens em cena e todo o tipo de situação esdrúxula para provocar o riso. Alguns exemplos clássicos de comédia "screwball": Levada da Breca (Bringing Up Baby, 1938), Jejum de Amor (His Girl Friday, 1940), As Três Noites de Eva (Lady Eve, 1941) e Cupido é Moleque Teimoso (The Awful Truth, 1937).

Levada da Breca, clássico da comédia maluca, com Cary Grant, Katharine Hepburn e o leopardo Baby


Mais do que mero escapismo, a comédia screwball foi de certa forma subversiva em pleno tempo de Código Hays, pois fazia uso de situações excêntricas e fora do comum como homens vestidos de mulher, casais em situações constrangedoras mas ao mesmo tempo provocantes, e muito frequentemente a protagonista mulher como força central da história (comumente o arquétipo da herdeira rica mimada que é o eixo de todo o conflito, como veremos em Irene, a Teimosa logo a seguir). Justamente por ser uma comédia "maluca", essas situações não convencionais acabavam sendo aceitas pelos censores e pelo público. Ser "maluco" nas telas era uma forma velada de rebeldia.



The Gay Bride (br: A Noiva Alegre), o qual ela considerava um de seus piores filmes, além de ser o único trabalho da atriz na MGM, na época o estúdio "com mais estrelas do que no céu" que era o lar profissional de seu futuro marido Clark Gable. Carole foi com muita sede ao pote, achando que o filme iria alavancar a sua carreira e talvez levá-la a novos rumos, mas passou batido e hoje é um filme pouco lembrado dentro de sua filmografia. 

Mas o flop de The Gay Bride foi logo esquecido, afinal ela agora estava em um novo patamar dentro da Paramount: uma estrela absoluta do alto escalão. Sua comédia seguinte em 1935, Hands Across the Table (br: Corações Unidos), arrebatou tanto crítica e público; pela primeira vez em sua carreira, ofereciam-lhe um filme pensado especialmente para ela, no qual pudesse explorar as suas habilidades cômicas. Nesse filme ela não só atuou mas participou ativamente da produção. Novamente, Lombard resolveu apostar na novidade e em potenciais ainda não explorados nas telas. No caso, tratava-se do potencial cômico e romântico de Fred MacMurray, o seu parceiro de cena no filme.

De loira burra ela não tinha nada. A manicure vivida por Lombard sabe muito bem o que quer: um marido rico. MacMurray, por sua vez, é um playboy falido que também almeja dar o golpe do baú em uma herdeira milionária. Mas os dois golpistas, reunidos por acaso, não imaginavam que iriam se apaixonar 


Foi difícil quebrar o gelo com Fred MacMurray, totalmente desacostumado com uma rotina de comédia romântica. Mas Lombard foi insistente e os dois terminaram por rolar de rir de verdade durante as gravações. Mitchell Leisen, o diretor, não cortou quase nada das risadas dos atores, afinal segundo ele era muito difícil ver atores rirem de verdade tão espontaneamente como Lombard e MacMurray juntos em cena.

Aos poucos, a química entre eles foi crescendo e ficou mais do que latente no resultado final. Still: Divulgação/Paramount


A parceria com MacMurray foi tão feliz que rendeu mais três filmes com os dois atores: A Princesa do Brooklyn, Começou no Trópico (ambos de 1936) e Confissão de Mulher (1937)


A partir de 1935, Carole diminuiu o seu ritmo de trabalho, fazendo apenas dois ou três filmes no máximo por ano. A festa no parque de diversões de Venice Pier em junho de 1935 foi a sua última grande festa, finalizando um ciclo em sua vida. E ela não fez por menos: com uma média de 400 convidados famosos, armou uma das mais icônicas reuniões de artistas da década de 1930. Entre os convidados, estavam Cary Grant, Marlene Dietrich, Claudette Colbert, Errol Flynn e muitos outros.

Com Cary Grant, Marlene Dietrich e Richard Barthelmess em Venice Pier, 1935


Com Claudette Colbert na festa do Venice Pier, 1935




E eis que em 1936 se iniciava um novo capítulo em sua vida, com um dos romances mais lendários da Hollywood clássica. 

GABLE & LOMBARD E O AUGE DA ATRIZ

Tudo começou em janeiro, quando Carole Lombard fez as vezes de anfitriã do baile White Mayfair em Beverly Hills. Ela estava uma pilha de nervos, pois era uma ocasião formal de muito prestígio e o círculo de estrelas estava presente em peso. Apesar de todo o cuidado que teve na preparação da festa, houve uma dose considerável de rebu: Norma Shearer apareceu de vermelho, de propósito para escandalizar durante o baile, no qual o branco era a regra de vestuário. Carole ficou furiosa e prestes a soltar mil palavrões para cima de Norma, mas reza a lenda que Clark Gable, presente na ocasião, levou Carole para outro recinto e tentou acalmá-la da melhor forma que pôde, para evitar escândalos. E também porque ele entendia como Lombard se sentia, pois ele mesmo, Gable, sempre tivera antipatia por Norma Shearer.

A lenda ainda diz que esse momento de Clark e Carole fora das vistas durante a festa durou "um bom e longo tempo". Além disso, os dois dançaram juntos durante o baile. Eles já haviam trabalhado juntos em 1932, sem se darem muita atenção. Mas naquele baile começaram a surgir faíscas entre Gable e Lombard. Não há nenhuma prova, mas dizem que Gable ficou tão animado durante a dança que estava ficando realmente excitado, a ponto de Carole ter que parar de dançar com ele para que ele "relaxasse". No banheiro feminino, Lombard encontrou Lupe Vélez e as duas ficaram fofocando com muito veneno e deboche sobre a audácia de Norma Shearer vestindo vermelho no baile.

Segundo a biografia Gable & Lombard, de Warren G. Harris, houve momentos de flerte no dia da festa além da dança, mas que não terminaram bem. Os dois saíram juntos da festa por uns intantes; Gable sugeriu de eles irem para o seu hotel, onde ambos poderiam ficar mais à vontade. Lombard, nada entusiasmada com a oferta, debochou: “Quem você pensa que é, Clark Gable?”. Ele ficou uma fera e desistiu da proposta, levando Carole de volta para a festa. Mais tarde, porém, Clark teve a gentileza de levá-la para casa em seu carro. Ele inda estava interessado em ficar com Carole na intimidade, mas logo percebeu que ela não estava dando nenhuma trela. Cansado de tentar, Gable inventou uma desculpa qualquer, dizendo que tinha um compromisso com outra pessoa. Lombard não perdeu a oportunidade de jogar mais um shade: “um date com Loretta Young?” (atriz que havia tido um affair e uma filha com ele em segredo). Irado, Clark Gable pisou no freio e foi embora. Carole Lombard riu melhor e por último.


Ainda de acordo com Harris, Carole procurou selar a paz entre os dois no dia seguinte. Ela enviou um casal de pombos brancos, simbolizando a paz, com um cartão escrito: "Que tal? Carole". 

Com Cesar Romero, o seu par no baile White Mayfair, janeiro de 1936


No mês seguinte, em fevereiro de 1936, os dois se encontraram novamente em uma festa, mas desta vez num contexto digno de screwball comedy. A festa foi organizada pelo roteirista Donald Ogden Stewart em homenagem a sua esposa recém-saída de um manicômio; por conta disso, a festa foi batizada de "The Nervous Breakdown Party" (em português, A Festa do Colapso Nervoso). Aproveitando o "tema" da festa, Carole resolveu fazer uma entrada inesquecível, mas da forma menos convencional possível: ela chegou de ambulância, carregada numa maca para dentro da festa, aparentemente inconsciente. Quando todos os convidados se mobilizaram ao seu redor para saber de seu estado, Lombard pulou e riu como nunca - não passava de uma brincadeira politicamente incorreta sua. Muitos convidados riram e acharam tudo muito criativo, mas Clark Gable achou aquilo de extremo mau gosto e começou a bater boca com Carole, que o chamou de "stuff shirt" (algo como "esnobe quadrado metido a besta").

Animados acalmados, Carole desafiou Clark para uma partida de tênis. Clark aceitou o desafio. Os dois ficaram jogando tênis em roupas de gala noite adentro. Ela, uma excelente jogadora de tênis, ganhou de lavada. Merle Oberon, a companhia de Clark na festa, cansou de esperar por ele e foi levada para casa por outra pessoa. Ele estava totalmente vidrado por Carole Lombard, e ela por ele. A partir dali, os dois foram ficando cada vez mais unidos e apaixonados. 

O início do namoro parecia saído das comédias excêntricas de Carole: situações malucas, discussões acaloradas e uma atração irresistível

No Dia dos Namorados de 1936, Carole arranjou um antigo carro Ford num ferro velho e mandou pintá-lo com vários corações. A nota no volante dizia: "Você está me levando à loucura!". (Em inglês, "You're driving me crazy" - o verbo drive tem um duplo sentido de conduzir, seja um veículo ou uma pessoa à loucura). Gable entrou no espírito de troça e foi buscar Lombard à noite para jantar dirigindo o mesmo carro velho cheio de corações



Gable e Lombard de fato diferiam em muitas coisas. Ela era uma mulher extrovertida, espontânea e sem papas na língua, enquanto ele era reservado, sisudo e ponderado. Ela era uma democrata com viés progressista, já ele um republicano conservador. Mas em compensação, havia sim algumas coincidências: ambos vinham do centro-oeste americano, ela de Indiana e ele de Ohio; casaram e começaram suas carreiras mais ou menos na mesma época, assim como também já haviam se divorciado anteriormente. 


A Ceia das Donzelas, em inglês Love Before Breakfast, feito pela atriz nos estúdios Universal. Em seu contrato, ela tinha liberdade para fazer filmes no estúdio que quisesse

Reunida novamente com Fred MacMurray em A Princesa do Brooklyn (The Princess Comes Across), 1936


1936 lhe reservou sorte no amor e também no trabalho. Naquele ano, Lombard protagonizou o seu filme mais famoso: My Man Godfrey, a quintessência da comédia maluca. Seu par romântico não era ninguém menos do que William Powell, seu ex-marido e amigo pessoal, que só aceitou ser emprestado pela MGM para a Universal se Carole Lombard fosse a escolhida para o papel da milionária cabeça-oca Irene. 

Mesmo divorciados, Powell e Lombard permaneceram amigos e fizeram uma excelente dupla no clássico filme, altamente recomendado para quem ainda não viu. Lombard, como de costume, soltou milhares de palavrões durante a filmagem para descontrair o set, para o terror dos trabalhadores da sala de edição. Alguns takes de Carole falando palavrão ainda existem como "bloopers"


Mais do que uma comédia desmiolada, o enredo satirizava os ricos que viviam fora da realidade, assim como mostrava a realidade dos pobres sem-teto que viviam pessimamente naqueles tempos de Depressão. O filme se encontra facilmente online, pois está no domínio público

Por My Man Godfrey, a atriz recebeu a sua primeira e única indicação ao Oscar, a cereja do bolo de sua fama como comediante de primeiro nível (perdeu para Luise Rainer, por O Grande Ziegfeld, ironicamente também estrelado por William Powell, pela MGM). Registros da época indicam que Carole Lombard foi a segunda atriz mais votada entre as indicadas.

Questionada sobre o seu sucesso, ela disse que devia muito aos diretores e principalmente aos seus parceiros de cena, como Powell e Barrymore. "Eu não sou uma líder, e sim uma seguidora. Eu sigo qualquer ritmo, mas não imponho nenhum."

Após o sucesso estrondoso de Irene, a Teimosa, seu novo contrato com a Paramount, com a astúcia de seu empresário Myron Selznick, lhe garantiu 450 mil dólares por ano, tornando-a em 1937 a estrela mais bem paga daquela época em Hollywood, ganhando mais de cinco vezes mais do que o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt. Após a saída da Paramount continuou no lucro, ganhando quase meio milhão de dólares por ano através de um acordo de dois filmes por ano com a RKO. 

Travis Banton (sentado), estilista chefe do setor de figurinos da Paramount, foi o preferido de Carole Lombard 


Em 1938, ela era uma estrela independente e poderosa dentro da indústria machista e castradora de Hollywood. Não satisfeita, deu uma cartada genial: ao negociar com a Selznick International Pictures, aceitou um salário menor com a condição de ter 20 por cento dos lucros e mais porcentagens menores adicionais. Essa manobra tornou Carole Lombard a primeira estrela de Hollywood a negociar participação nos lucros dos filmes.

Além de atriz, uma esperta mulher de negócios

Em resposta ao alarde pela quantia de seu salário, Carole declarou que 80 por cento de seus rendimentos iam para o imposto de renda. Numa atitude rara entre milionários, os quais adoram reclamar sobre a taxação de suas fortunas, Lombard disse que se sentia feliz pagando impostos e contribuindo para o progresso da nação americana. Roosevelt escreveu uma carta agradecendo a atriz pelo posicionamento, que teve muita repercussão positiva na época.

Carole Lombard visita o presidente Roosevelt, década de 1930. Foto: La Guardia Archives


Swing High, Swing Low (br: Começou no Trópico) foi um intervalo dramático entre suas comédias malucas. Novamente reunida com Fred MacMurray, e agora uma verdadeira star, Lombard teve a chance de demonstrar suas habilidades dramáticas dentro de uma suposta comédia. É um filme subestimado dentro de sua obra que vale a pena ser visto, por ser uma mistura de comédia, drama e romance que arranca performances memoráveis e incomuns de Lombard e MacMurray. Inspirado na famosa peça da Broadway Burlesque, de George Manker Watters, a história já havia sido filmada em The Dance of Life (1929), com Nancy Carroll; depois serviu de inspiração para When My Baby Smiles at Me com Betty Grable em 1948.

Uma cabeleireira e um soldado se encontram no Canal do Panamá e se apaixonam perdidamente. Ele se torna um músico de sucesso e ela a sua parceira de show, mas a fama não reserva a eles só coisas boas



Assim como Irene a Teimosa, Começou no Trópico está no domínio público. A parte ruim disso é o filme estar em qualidade de imagem e som bem mediana, implorando por uma restauração. Na atual era do HD e do 4K, muitos filmes antigos são ignorados e esquecidos por estarem em péssimas condições de imagem e áudio. My Man Godfrey e Nothing Sacred foram remasterizados pela Criterion Collection e Kino, respectivamente, mas Swing High Swing Low é um dos títulos da filmografia de Carole que ainda não recebeu um trabalho de restauração decente.

Parte da crítica e dos estudiosos de cinema clássico consideram esta a sua melhor performance. O filme apenas peca por problemas de ritmo, mas é salvo pelas atuações, pela excelente direção de Mitchell Leisen, linda fotografia do favorito de Lombard, Ted Tetzlaff, e por fim, pela força da história sobre o lado sombrio da fama (o personagem de Fred MacMurray se torna um alcóolatra, fazendo o casal principal passar por uma longa espiral de conflitos)

Não só herdeiras malucas e mulheres ricas - Lombard também interpretou muitas mulheres simples e humildes de forma convincente. Em Swing High Swing Low, sua personagem passa de cabeleireira a showgirl. Carole aprendeu a dançar sapateado e treinou sua voz especialmente para cantar com a sua própria voz no filme. Foi a primeira e única vez na qual sua verdadeira voz foi usada no vídeo, sem dublagens, para a canção "I Hear a Call to Arms".

Partitura da música do filme, que não chega a ser um musical mas tem bastante jazz e alguns momentos de cantoria


O intervalo da comédia durou pouco. O sucesso estrondoso de My Man Godfrey convenceu David O. Selznick a contratar Carole Lombard para um novo veículo de comédia, moldado especialmente para ela, com roteiro de Ben Hecht e filmado inteiramente em cores pelo processo Technicolor. Assim nasceu Nothing Sacred (br: Nada é Sagrado, dir. William A. Wellman), o único filme colorido de sua filmografia. Foi produzido por Selznick e distribuído pela United Artists. Por divergências, Hecht saiu do projeto durante as filmagens. Assim, o roteiro do filme teve o dedo de vários escritores de talento: dentre eles, Dorothy Parker, Moss Hart, George S. Kaufman, Sidney Howard, Robert Carson e o próprio produtor David O. Selznick.

Diferente de muitos filmes seus que não estão restaurados, Nada é Sagrado já se encontra em alta definição. Carole Lombard em seu melhor momento de histeria e maluquice, sem deixar de ser romântica e vulnerável também

A famosa sequência na qual os personagens de March e Lombard trocam socos levou horas até ser concluída. A atriz saiu exausta das gravações

A comédia, apesar de insana, era uma sátira à falta de escrúpulos da mídia jornalística em criar comoções em cima de mentiras (no caso, uma jovem do interior virava uma heroína nacional por estar à beira da morte, mas na verdade ela estava muito bem de saúde, obrigada). A partir daí uma sucessão de maluquices se sucedem

Fredric March, eterno sedutor, tentou jogar charme para cima de Carole Lombard nos bastidores. Ela, sempre com uma piada pronta, armou um de seus mais memoráveis truques. Numa suposta cena de conquista no camarim da atriz, March jogava todo o seu charme em cima de Lombard e ela fingia dar bola. Mas de repente ele percebeu um volume muito estranho debaixo das roupas dela - era um grande dildo (consolo) que simulava um pênis. March, muito chocado e constrangido, saiu do camarim e nunca mais tentou nada com Lombard. Ela também não perdia a chance de soltar tiradas e constranger o ator, talentoso porém arrogante, no decorrer das filmagens. Isso tudo não impediu Fredric March de declarar posteriormente que Nothing Sacred foi um dos filmes mais divertidos que fez.

Piadas à parte, a verdade é que a Paramount, apesar de ter sido o estúdio da atriz por anos, nunca soube administrar a carreira da atriz. Os filmes mais emblemáticos de Carole Lombard não foram feitos lá. Como visto aqui, três de seus filmes mais marcantes e lembrados — Suprema Conquista, Irene a Teimosa e Nada é Sagrado, foram feitos fora da Paramount Pictures (Columbia, Universal e United Artists respectivamente). Em 1937, já com um nome estabelecido e influente o bastante para continuar atuando livremente como freelancer, Carole encerrou o seu contrato na Paramount com True Confessions, sua quarta e última parceria com Fred MacMurray.


Ela já era tão poderosa e famosa que conseguiu se manter como freelancer dentro do sistema da indústria, assinando acordos pontuais e vantajosos mas sem nenhuma amarra com nenhum dos estúdios. Isso era algo raro naquela época, porque a maioria dos artistas viviam presos a seus contratos e a seus estúdios, podendo ser castigados e boicotados quando não faziam aquilo que o estúdio mandava.


Ela estava na crista da onda, enquanto John Barrymore estava em gradual decadência profissional e pessoal. Ironicamente, ambos faleceram no mesmo ano: 1942

MacMurray, Lombard e Barrymore em True Confession (br: Confissão de Mulher, 1937)


Na final da década de 1930, a screwball comedy já não estava cativando o público como antes. Em 1938, Carole protagonizou talvez o seu pior fracasso: Fools for Scandal (br: Escândalos de Amor, dir. Mervyn LeRoy), em sua única passagem pela Warner Brothers.  Além do roteiro não ser bom, ela não teve química alguma com Fernand Gravet, seu co-star. Ciente de que as comédias malucas estavam desgastadas, Lombard decidiu focar em trabalhos mais dramáticos por um tempo, para renovar a sua imagem cinematográfica. Fools for Scandal foi o seu único filme de 1938. Cada vez mais apaixonada por Clark Gable, Carole Lombard cogitava se aposentar das telas e viver inteiramente para a vida doméstica: ter um marido, um lar e um filho. 


Numa possível tentativa de mudar a sua imagem de costume, Carole se permitiu aparecer de cabelos escuros durante o filme Fools for Scandals, considerado pela crítica especializada o seu pior filme. Filme da Warner Bros.


Havia um grande obstáculo entre Gable e Lombard: a esposa dele, Rhea Langham. Os dois já não viviam juntos, mas o divórcio ainda demoraria para sair, oficializado apenas em março de 1939. Rhea relutou muito em conceder o divórcio, mas acabou cedendo. Antes mesmo de oficializarem o relacionamento, Clark e Carole já eram um dos casais mais queridos e fascinantes da indústria, chegando a aparecer em uma publicação infame da época, na famosa revista Photoplay, intitulada "Os maridos e esposas não casados de Hollywood" em janeiro de 1939.


Capa do Los Angeles Examiner de 14 de dezembro de 1938. A expectativa pelo divórcio de Clark Gable, para ele se casar com Carole Lombard, já era uma novela acompanhada de costa a costa


O romance de Clark e Carole já era de conhecimento geral, logo Rhea Langham não teve outra alternativa senão dar o divórcio, finalizado em 17 de março de 1939, e sair de cena com um bom dinheiro de pensão, após meses de muitas negociações. Em 29 de março, apenas 12 dias depois do divórcio, Gable e Lombard "fugiram" para casar, de forma discreta, no estado do Arizona. Pouco depois os anúncios para a imprensa foram feitos.


“[Clark] me decifrou tão rápido que foi assustador”, disse Lombard a um amigo, segundo Warren G. Harris. “Ele me disse o que eu era – uma maluca neurótica – e ele estava certo. Nunca fui outra coisa... apenas enganei as pessoas. Mas eu não poderia enganá-lo e sabia disso.”


Ainda em 1939, Carole participou do filme In Name Only (Esposa só no Nome, dir. John Cromwell), que tinha uma história que refletia a sua vida pessoal: uma mulher apaixonada por um homem casado (Cary Grant), cuja esposa (Kay Francis) se nega a conceder o divórcio. Ela aceitou pelo script e pela chance de contracenar com Grant


Fontes próximas da atriz afirmavam que ela viu o jogo do amor como uma espécie de competição, na qual ela não seria a donzela conquistada que espera as coisas acontecerem, e sim a conquistadora que toma as iniciativas. Por um lado, ela estava completamente determinada a conquistá-lo. Mas para isso, ela fez algo típico de sua personalidade: ela se adaptou ao parceiro. Não necessariamente se anulou, mas fez diversas concessões e adotou para si os hábitos e hobbies de Gable: caça, pesca e acampar, por exemplo. Ironicamente, ela tinha muito mais disposição física para esportes do que ele.


Através dessas atividades tipicamente masculinas, Carole mostrou ter muita coragem e personalidade, tão capaz de fazer tudo aquilo como qualquer homem. A relação com Gable fez Lombard amadurecer. E as mudanças não foram apenas da parte dela: Gable se tornou um homem menos rígido, mais aberto, mais seguro de si e espontâneo. Era extremamente teimoso e resistente, mas Lombard sabia como fazê-lo mudar de ideia e aceitar uma nova perspectiva das coisas.


Após três anos de romance, Gable e Lombard oficializaram a relação. O casamento se deu em 29 de março de 1939 em Kingman, Arizona (o mais longe possível da imprensa)

Com a união selada, Carole deixou a sua casa em Bel Air e se mudou com Clark para um grande rancho localizado na região de Encino, Califórnia, no endereço 4543 Tara Drive (por ironia, o mesmo nome Tara, da propriedade de E O Vento Levou). 

Eles se chamavam entre si de "Ma" (Carole) e "Pa" (Clark)


Longe do glamour hollywoodiano, eles passavam o tempo no racho criando galinhas, conduzindo tratores e cuidando de cavalos

No rancho de Encino, o refúgio campestre do casal. Foto: Divulgação/MGM


Foi por insistência das pessoas ao seu redor, especialmente sua esposa Carole, que Clark Gable aceitou o papel que o marcaria para sempre no imaginário do grande público: Rhett Butler em E O Vento Levou (em inglês, Gone with the Wind). Ela que chegou com o romance de Margaret Mitchell debaixo do braço em um belo dia em sua casa e disse que aquele seria um excelente veículo para os dois. Mas David O. Selznick, produtor do filme, não quis saber de Carole Lombard, a rainha das comédias malucas, como Scarlett O'Hara. A recusa do papel foi um golpe duro para Lombard, que se ressentiu com a família Selznick. Eventualmente ela cortou relações tanto com David O. Selznick, ao encerrar o acordo que tinha com o estúdio dele, como com Myron Selznick, empresário e irmão de David, o qual ela demitiu em 1940.

Apesar do ressentimento, Carole apoiou Clark durante todo o longo e exaustivo processo de realização de E O Vento Levou. Foi novamente por insistência de Carole que Clark Gable compareceu à mítica estreia mundial do longa-metragem na cidade de Atlanta, no estado da Georgia.

O casal durante a estreia do épico em Atlanta, um dos eventos mais emblemáticos da história da cidade. O salário de Gable pelo filme serviu para pagar todas as enormes despesas que teve com o seu processo de divórcio da ex-mulher


No Oscar de 1940, a expectativa era grande para que Clark Gable levasse para casa a estatueta de Melhor Ator por seu trabalho em E O Vento Levou. Não era para ser: o vencedor da noite foi Robert Donat, por Adeus Mr. Chips. Gable já tinha um Oscar por Aconteceu Naquela Noite, mas foi um golpe duro para o ator, pois ele sabia que aquela seria a sua última chance de vencer o prêmio. Carole, numa tentativa de consolá-lo, disse que no ano seguinte eles trariam um Oscar para casa. Clark disse que aquela tinha sido a sua última chance. Ela, debochada, respondeu: "Não, seu idiota egocêntrico. Estou falando de mim!".

Não só a mais bem paga, mas também a mais bem vestida! Edição de janeiro de 1940 da revista Photoplay. Foto de Paul Hasse, divulgação dos estúdios RKO


Em 1939 e 1940, a atriz focou em papéis dramáticos. Em Made for Each Other (br: Nascidos para Casar, dir. John Cromwell), ela teve uma boa química com James Stewart e desempenhou um bom trabalho no drama sobre dois apaixonados que se casam no mesmo dia em que se conhecem, mas enfrentando todo tipo de adversidades com o passar do tempo. Era um filme triste demais para as plateias ainda vítimas da Depressão, sem falar da recém-iniciada Segunda Guerra Mundial que não ajudou em nada a melhorar os ânimos do público naquele final da década de 1930. As críticas foram positivas, mas nenhuma indicação ao Oscar veio e o filme flopou nas bilheterias. Como dissemos acima, Lombard encerrou o acordo com David O. Selznick - logo depois desse projeto, produzido por ele.

Mais um filme seu no domínio público que clama por uma restauração. Em Made for Each Other, ela pôde viver um papel que não aconteceu em sua vida pessoal: o papel de mãe


Quando Carole Lombard estabelecia um objetivo, ela faria tudo o que estivesse ao seu alcance para sair vitoriosa. Boa parte das vezes, ela conseguiu o que queria. Mas a sua missão de vencer um Oscar não foi bem-sucedida. Lombard deu tudo de si no papel dramático de uma sofrida enfermeira em Vigil in the Night (br: Noites de Vigília). Todos os ingredientes para um women's picture: melodrama, auto-sacrifício, tragédia e romance. Ainda por cima, foi dirigida por George Stevens, um dos melhores diretores da Old Hollywood. Todos os esforços valeram para produzir um filme satisfatório, mas nada marcante.

Novamente, apesar do talento e da dedicação, Carole Lombard percebeu que o seu forte era mesmo a comédia. Mais uma vez o público não se entusiasmou com um drama protagonizado pela atriz. Nem é preciso dizer que a Academia ignorou sua performance e Vigil in the Night não recebeu nenhuma indicação.

As críticas positivas por sua atuação não foram suficientes para gerar bilheteria ou potencial para uma indicação ao Oscar. “Meu nome não vende ingressos para filmes sérios”, disse a atriz na época


O que Carole Lombard tinha de apaixonada e esposa devota, tinha também de ciumenta. Era de conhecimento geral que Clark Gable tinha casos extraconjugais. Carole até aceitava que o marido tivesse casos, desde que fossem discretos e não evidentes aos olhos do público. Ela fazia questão de visitar os sets de filmagem de Gable para vigiá-lo pessoalmente. Estrelas como Joan Crawford e Lana Turner a apavoravam. Ela sabia que a química delas com Clark não era apenas na frente das câmeras, mas também fora delas. Gable havia mantido um affair com Crawford por anos, mas era Lana Turner que a incomodava de verdade no início dos anos 40. Quando Turner e Gable faziam juntos o filme Honky Tonk, em 1941, Carole estava sempre no estúdio atenta aos passos do marido. Lana Turner ficava tão constrangida com a presença constante de Carole Lombard que preferia ficar longe dela, em seu trailer.

Gable visita Lombard no trailer da atriz nos estúdios da RKO, circa 1940. Foto: Divulgação/RKO


Clark Gable era então o "rei de Hollywood". Fora das telas, no entanto, Gable estava longe de ser um amante apaixonado e caloroso. Carole o amava de todo o coração, mas não era plenamente satisfeita na vida sexual. Ela chegou a confidenciar com amigos íntimos que por mais que amasse o marido, era consciente de que ele estava longe de ser um grande amante na cama. Para ela, o desempenho sexual dele deixava a desejar. Com o passar do tempo o clima de paixão desvaneceu. Por outro lado, acima das adversidades, o laço que os unia continuou firme e forte. Se eles terminariam se divorciando, caso Carole tivesse sobrevivido, nunca poderemos saber.

As discussões entre eles podiam ser intensas, mas a reconciliação acontecia pouco depois. Foto: United Archives/Alamy

Um outro problema que afligia Carole era a maternidade. Ela chegou a engravidar duas vezes, mas em ambas as vezes sofreu abortos espontâneos. Em seus últimos anos de vida, já casada, procurou vários médicos especialistas em fertilidade, mas nada resultou. Pouco antes de sua morte, porém, Carole ainda parecia esperançosa em poder um dia gerar uma criança com o homem de sua vida. O destino, infelizmente, não quis assim.

Foto de George Hurrell


Antes de voltar para as comédias, ela encerrou 1940 com o lançamento do drama They Knew What They Wanted (br: Não Cobiçarás a Mulher Alheia), dirigida por seu amigo pessoal Garson Kanin. Enojada, ela se recusou a beijar Charles Laughton durante as gravações. Teve uma recepção razoável na época de seu lançamento.

Filmado na região rural de Napa Valley, contava a história de um rico fazendeiro que corteja uma jovem mulher (Carole) por correspondência, mas ao propor casamento por carta, envia uma foto de um empregado seu para a moça. Ela aceita a proposta, mas ao chegar, se apaixona pelo empregado da foto, e não pelo seu pretendente original. Complicações se seguem...

O retorno de Lombard para as comédias em 1941 não foi trivial: ela foi dirigida por ninguém menos que Sir Alfred Hitchcock. Sim, você leu bem: Hitchcock filmava, pela única vez em sua carreira, um filme inteiramente de comédia, sem nenhum suspense. O inusitado projeto aconteceu simplesmente porque Carole Lombard queria estrelar um filme de Hitchcock, mas não um suspense, e sim um veículo de comédia com o selo Carole Lombard de qualidade. Como sempre persuasiva, ela convenceu o mestre do suspense a dirigir a screwball comedy. Ele disse depois que apenas aceitou o trabalho por gostar de Carole e desejar trabalhar com ela, apenas isso. Registros do arquivo da RKO, entretanto, mostram que o diretor demonstrou sim interesse particular no projeto. Um espectador mais atento pode perceber que sempre há um toque de humor nos filmes de Hitchcock.

Carole com Alfred Hitchcock nos bastidores. O diretor contou que apenas filmava o que estava escrito no script, sem grande envolvimento artístico com o filme


Após alguns nomes provisórios, terminou se chamando Mr. and Mrs. Smith, em português Um Casal do Barulho. Era uma comédia maluca inofensiva sobre um casal aparentemente feliz que descobre, do nada, que não são casados legalmente. A partir daí acontece uma sucessão de mal-entendidos, cenas de ciúme, provocações e situações cômicas até o casal de fato voltar à harmonia conjugal.

Minha dica é não assistir esperando uma obra-prima de Hitchcock, e sim ver apenas como uma comédia divertida e elegante típica dos anos 1940. Não é um filme inesquecível, mas entretém e os envolvidos estão competentes em seus trabalhos.

Robert Montgomery e Carole Lombard em Um Casal do Barulho. A democrata Carole não perdoou o co-star, republicano, e fez questão de colar pessoalmente vários adesivos de Roosevelt no carro dele


Entre as aspirações de Lombard, estava dirigir um filme. O mais próximo que ela chegou disso foi nos bastidores de Um Casal do Barulho, quando ela dirigiu o tradicional cameo (pequena aparição) de Hitchcock naquele filme. Como uma exigente diretora, ela mandou serem feitos sucessivos retakes da curta aparição do diretor no filme.

Carole Lombard dirige Alfred Hitchcock em um de seus icônicos cameos, 1940. As imagens desse momento apareceram em um curta da série de shorts da época chamada Pictures People


Os sets de Carole Lombard eram verdadeiras festas, sempre havia uma piada pronta para quem quer que fosse. Partindo da afirmação de Hitchcock que "atores são gado", Carole não perdeu tempo e montou um cercado com animais no set e colocou os nomes dos atores em cada animal


Um Casal do Barulho foi o último filme de Carole Lombard lançado em vida da atriz.


Depois, no final de 1941, Carole participou daquele que viria a ser o seu último filme: To Be or Not To Be (br: Ser ou Não Ser), dirigido por Ernst Lubitsch. Após anos sendo preterida por Miriam Hopkins na Paramount, Lombard, agora uma estrela influente e livre para trabalhar onde quisesse, abocanhou a chance de trabalhar com Lubitsch, ainda que o material, embora comédia, fosse controverso. 

Era uma sátira farsesca sobre um grupo de atores dentro da Polônia ocupada pelos nazistas - lembrando que a Segunda Guerra estava a todo vapor na Europa, logo era um tema espinhoso. Isso não impediu Carole Lombard de aceitar participar e ter uma de suas experiências mais felizes e satisfatórias como atriz durante as filmagens. 

Uma comédia cheia de intriga, espionagem, suspense e história que não poupou em ridicularizar Hitler e seu regime, num momento em que Hollywood ainda não estava de fato engajada na causa


Na época o filme recebeu muitas críticas por tratar de uma tema sério (a ocupação nazista) de forma cômica, mas com o tempo o longa recebeu o reconhecimento merecido, como uma das comédias mais engenhosas de seu tempo.

Como a atriz polonesa Maria Tura, um papel menor que não impediu que o seu nome estivesse acima do ator principal, Jack Benny, nos créditos


O filme foi realizado na United Artists, e assim Carole Lombard podia dizer para todo mundo que havia trabalhado literalmente em todos os estúdios principais da cidade dos sonhos: MGM, Paramount, Universal, RKO, Warner, Columbia, Fox e United Artists.

Ser ou Não Ser foi uma comédia ousada e controversa durante a sua realização, quando os EUA ainda não estavam oficialmente na guerra. Tudo mudou com o infeliz ataque dos japoneses à base militar de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. A nação americana estava em choque, assim como o resto do mundo. Logo em seguida, os Estados Unidos oficializaram a sua entrada na guerra. Carole, até então fazendo a sua parte na sátira de guerra Ser ou Não Ser, decidiu que poderia fazer muito mais pela causa do que apenas atuar. Usando a sua fama, ela sairia pelo país para arrecadar fundos de guerra. Ninguém imaginava na época, porém, que ela nunca voltaria dessa viagem. 

VOANDO PARA A ETERNIDADE

Fazendo o V de Vitória durante sua turnê de guerra em Indiana, pouco antes de seu falecimento

Foi Clark Gable quem sugeriu o nome de Carole para viajar em uma turnê de guerra para arrecadação de fundos que tinha como destino o estado de Indiana, o estado natal da atriz. Ela só havia voltado para Indiana uma única vez até então, em 1930 (última vez que visitou sua cidade natal, Fort Wayne). Sendo natural do estado e uma das atrizes de maior prestígio da época, parecia a escolha perfeita para arrecadar milhões para a causa da guerra. Gable se arrependeria amargamente depois, por ter dado a ideia da viagem para Lombard. Mas parecia estar escrito para acontecer, e por pior que tenha sido a tragédia, os esforços de Carole não foram em vão.

Reprodução de um war bond (título de guerra para arrecadar fundos) vendido por Carole Lombard, que fez questão de assinar Carole Lombard Gable, seu nome de casada

A atriz tinha chegado em Indianapolis por trem, após uma longa viagem entre estados,  acompanhada por sua mãe Bessie Peters e o assessor de imprensa Otto Winkler. Para o retorno, a princípio estava decidido que todos voltariam viajando de trem novamente. Carole queria voltar o mais depressa possível para seu marido Gable, assim decidiu que todos voltariam de avião, pois seria muito mais rápido.

A mãe de Carole estava apreensiva. Sua intuição dizia que eles não deveriam subir naquele avião, mas Carole estava irredutível. Por fim, todos decidiram jogar cara ou coroa para ver se iam de trem ou de avião. A moeda foi jogada e Carole venceu: viajaram de avião.

Uma das fotos da atriz que saíram pouco depois de seu falecimento na revista LIFE. Foto de Myron H. Davis - o fotógrafo foi uma das últimas pessoas a falar com a atriz antes dela embarcar no avião em Indianapolis. Mesmo tensa e nervosa antes de voar, ela conversou animadamente com o fotógrafo e pediu para ser chamada de Carole, e não "Sra. Lombard". Mal sabia o fotógrafo que estava registrando um momento histórico, e os últimos momentos da vida de Carole


Ainda houve mais uma ironia do destino durante o percurso. Em Albuquerque, no Novo México (última parada do avião antes da tragédia), pediram a Carole e aos outros passageiros para cederem lugar a 15 oficiais da Aeronáutica que iriam embarcar na aeronave. Carole convenceu a equipe do voo que ela era também essencial, já que estava em serviço para a guerra assim como os soldados. Assim, ela e seus acompanhantes voltaram para o avião. O violinista húngaro Joseph Szigeti foi um dos passageiros que desembarcou do avião em Albuquerque e sobreviveu ao desastre que se sucedeu apenas quinze minutos depois da decolagem.

Com sua mãe Bessie pouco antes de embarcarem no avião. É considerada por muitos a última foto tirada de Carole Lombard em vida (ou uma das últimas). Foto retirada da biografia de Larry Swindell

A própria Carole parecia muito ansiosa e inquieta durante a viagem, mas ela estava determinada a chegar o mais rápido possível no destino final em Burbank, na Califórnia. Isso nunca aconteceu: às 19 horas daquele dia 16 de janeiro, o avião bateu nas montanhas Potosi, no estado de Nevada, matando na hora todos que estavam a bordo. Por algumas horas, houve esperança de se encontrar Carole e os outros passageiros com vida, mas em pouco tempo ficou claro que não havia sobreviventes. Clark Gable foi pessoalmente para a região acompanhar as buscas. Ao receber a notícia da morte de seu grande amor, ele desabou em lágrimas. Parte dele morreu junto - ele nunca se recuperou totalmente da perda de Carole Lombard.


Escombros do desastre aéreo que vitimou a atriz, sua mãe Bessie, o agente Otto Winkler e os outros 19 ocupantes da aeronave. Após investigação, foi declarado erro humano do piloto para a causa do acidente. Por conta da guerra, para não haver rastreio pelas tropas japonesas, dispositivos de segurança geralmente usados em voos noturnos estavam desligados e isso dificultou a orientação da tripulação ao passar pelas montanhas


O falecimento da esposa fez Clark Gable repensar em algo que ela havia insistido muito para ele considerar: alistar-se no exército. Ele já estava fora da idade ideal e o estúdio MGM não o queria em combate, mas ele foi adamante - seguiu para o quartel. Ele sabia que Carole ficaria orgulhosa de sua atitude. Além de estar lutando por seu país, sua ida à guerra era uma espécie de tributo ao grande amor de sua vida. Por muitos anos, ele deixou o quarto de Carole Lombard intocado, exatamente como ela o havia deixado antes de partir. 

Inauguração do S.S. Carole Lombard, um navio dedicado à memória da atriz que serviu no resgate de centenas de náufragos no Oceano Pacífico durante a guerra. Ao lado de Gable, estão Irene Dunne e Louis B. Mayer. Foto: Acervo/Biblioteca Pública de Los Angeles


O falecimento de Carole Lombard tornou-a a primeira casualidade fatal da Segunda Guerra Mundial em Hollywood. A cidade dos sonhos ficou de luto pela sua amada e bela comediante maluca - o riso deu lugar ao silêncio. To Be or Not To Be foi lançado postumamente, em fevereiro de 1942. Carole tinha um projeto já confirmado: They All Kissed the Bride, na Columbia. Com seu falecimento, Joan Crawford assumiu o papel que seria de Carole e doou todo o seu cachê para a Cruz Vermelha. Havia muito a ser feito, a se lutar e a se viver. 

Túmulo de Carole Lombard. Clark Gable casou-se novamente depois, mas quando faleceu, foi enterrado ao lado de Carole


EPÍLOGO: Conclusão e legado

Em um artigo da revista Photoplay de 1937, a atriz respondeu ao título chamativo e provocador: "Como eu vivo de acordo com o código de um homem" (How I Live by a Man's Code). Na publicação, ela oferece às leitoras regras sobre como ter sucesso nos negócios e em casa, como: "jogue limpo [com os homens]... não se magoe com as críticas - enfrente-as como um homem". Notavelmente, no artigo Lombard diz aos leitores que ela "não acredita em mundo dos homens" e incentiva as mulheres a "trabalhar - e gostar", acrescentando: "Todas as mulheres deveriam ter algo que vale a pena fazer e cultivar a eficiência no que se faz, seja nas tarefas domésticas ou na criação de galinhas. As mulheres trabalhadoras são mulheres interessantes"

Segundo Edith Head, "Carole usava roupas como se fossem suas, naturalmente". Isso dava naturalidade aos seus ensaios fotográficos e longas-metragens. Lombard era muito paciente e não dava fricotes durante as longas e intermináveis provas de figurinos. Travis Banton (seu favorito) e Irene foram os seus estilistas mais frequentes nas telas

Com certeza Carole, de onde estivesse, gostaria que as pessoas continuassem vivendo, lutando pelo certo e pelo justo. E principalmente, acima de tudo, que as pessoas continuassem encontrando motivos para rir e se divertir, mesmo que o nosso mundo maluco estivesse se acabando. Ela perdeu prêmios, amigos, amantes e papéis no cinema, mas ela jamais perdeu a piada.

A equipe de Nascidos para Casar presenteou a atriz com uma mula pelo seu aniversário, a qual ela deu o nome de Scarlett. Recorte da revista Photoplay, janeiro de 1939

Anos de trabalho na indústria deram a ela um vasto insight sobre fazer cinema. Participava ativamente do processo de realização de seus veículos mais famosos, sempre atenta aos mínimos detalhes do set de filmagem. Com certeza, se tivesse tido a chance, Lombard teria sido uma ótima diretora ou produtora de filmes.

Sua estrela aparece brevemente no filme Uma Linda Mulher, de 1990



Ela soube fazer diferentes gêneros de filme, mas é inegável o seu timing único para comédia, gênero este muito subestimado pela crítica e pelas premiações, como se fosse um gênero "menor" de atuação, quando na verdade comédia é por vezes muito mais difícil de se fazer do que drama. Carole Lombard é mais uma atriz de talento que nunca ganhou um Oscar, mas ela não precisa de um para ter o seu talento reconhecido e aplaudido por todos nós. 

Como todo ser humano, ela tinha suas contradições

Moderna e à frente do tempo, ela falava palavrões de uma forma parecida com Dercy Gonçalves e Leila Diniz: mais um recurso de linguagem para descontrair e fazer rir, nada de ofensa vulgar. Ela soube aproveitar a vida e se divertir, mas quando estabelecia objetivos concretos, ela fazia de tudo para conquistá-los. Além de atriz talentosa e anfitriã de reuniões sociais inesquecíveis, foi uma mulher de negócios inteligente e astuta.

Por outro lado, ela foi uma mulher típica de seu tempo: acima de seu trabalho, quis muito ter um lar, um marido e filhos - conseguiu os dois primeiros. Pensou seriamente em aposentadoria em seus últimos anos de vida, e fez várias concessões durante o seu casamento para manter a harmonia no lar. Não podemos julgá-la, afinal ela amava muito Gable e ele também nunca deixou de amá-la, ainda que de sua maneira machista. Os dois, quase opostos, se complementaram e protagonizaram uma das histórias de amor mais emblemáticas da Era de Ouro de Hollywood. Bom salientar que não foi um mar de rosas, mas isso não tira o encanto desse inesquecível encontro de almas.



Tornou-se a mulher mais bem paga de Hollywood e isso não a impediu de pensar nos outros e em seu país, cedendo mais da metade de seus rendimentos para o imposto de renda - coisa da qual a maioria dos ricos foge como o diabo da cruz. Ela também fazia caridade, mas nunca fez grande estardalhaço em cima disso. Além de causas famosas, Lombard apoiou iniciativas pouco apoiadas na época, como o apoio às mães solteiras de Hollywood. Mesmo uma estrela de cinema, nunca se levou a sério, e foi uma pessoa extremamente generosa. Carole gostava de investir em novos talentos e apoiar conhecidos nos quais ela enxergava grandes potenciais. Durante as filmagens, ela tratava todos, desde os artistas até os trabalhadores do set, de forma igual e gentil, sempre dando presentes para todo mundo no final das gravações - ela era genuinamente querida e admirada, sem frescuras e afetações. Se você a tivesse como amiga, seria para valer e para sempre.

Reprodução de still autografado, divulgação da Paramount

Apesar de ter nos deixado cedo demais, Carole Lombard viveu intensamente e deixou a sua marca em todos que a conheceram e em todos que a assistiram em filmes. Sua trajetória de vida, em hipótese alguma, pode ser limitada ao seu triste e precoce fim - ela foi e é muito maior do que as tragédias que lhe abateram. Conhecendo sua personalidade,  até no além da vida ela faria piadas e tiraria sarro de si própria. Nem falecida ela perderia a chance de fazer novas brincadeiras. 



Pode-se conquistar muita coisa na vida através do humor e da sagacidade, sem levar tudo tão a sério. Na era atual, o politicamente correto anda castrando demais o humor e a espontaneidade, e isso é perigoso. Não, não defendo piadas que oprimem ou diminuem ninguém, mas por outro lado, precisamos aprender a nos ofender menos e a levar as coisas menos para o pessoal. 



Mais de 80 anos após a sua partida, suas lições de vida continuam atuais e inspiradoras. Para as mulheres, há sempre mais a ser conquistado; muita coisa evoluiu, mas ainda há muito a melhorar para uma sociedade mais justa e igualitária.

As coisas melhoraram para Carole justamente quando ela amadureceu e adquiriu mais confiança em si mesma e em seu trabalho. Temos que acreditar em nós mesmos, sempre - e nos mantermos fiéis a nós mesmos.

Viva Carole! Viva o riso!



Pedro Dantas
março de 2024

REFERÊNCIAS

CARMAN, Emily. Independent Stardom: Freelance Women in the Hollywood Studio System. 1ª edição. Austin, Texas: University of Texas Press, 2015.

GEHRING, Wes D.. Carole Lombard: The Hoosier Tornado. 1ª edição. Indianapolis, Indiana: Indiana Historical Society Press, 2003.

HARRIS, Warren G.. Gable & Lombard. 1ª edição. Nova York, NY: Simon & Schuster, 1974.

SWINDELL, Larry. Screwball: The Life of Carole Lombard. 1ª edição. Nova York, NY: William Morrow & Company, 1975.

Carole Lombard: Diva da Comédia Screwball e Grande Amor de Clark Gable (Biografia e Cinema)

A atriz  norte-americana  Carole Lombard nos deixou muito cedo em 16 de janeiro de 1942, com apenas 33 anos de idade. Ela, sua mãe e mais 20...