quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A importância da série The Golden Girls - As Super Gatas completaram 36 anos da sua estreia na TV

 

O elenco reunido fora da telinha

Esse post é dedicado à memória de Betty White, que nos deixou no dia 31 de dezembro de 2021 aos 99 anos, prestes a completar 100 anos. Em homenagem a ela e as outras três gatas Rue, Bea e Estelle, eis o meu pequeno tributo!


Hoje eu venho em um texto menor, mas com um conteúdo não menos importante. Venho falar um pouco da minha série de TV favorita de sempre, e que infelizmente ainda é pouquíssimo conhecida e comentada no Brasil, mesmo tendo sido um grande sucesso nos anos 80 e começo dos 90. Mais do que tudo: a série é protagonizada por quatro mulheres na terceira idade, algo raro na indústria do entretenimento até hoje. Se pararmos pra pensar, Grace and Frankie da Netflix é atualmente uma das poucas exceções nesse aspecto, já que a maioria das séries são estreladas por atores jovens no auge de suas carreiras ou no máximo na meia idade - e geralmente homens, pois as mulheres vão perdendo espaço e bons papéis ao envelhecer. 


Para nossa alegria, a série está disponível no Disney+

A série se chama The Golden Girls, e estreava há mais de 36 anos na emissora americana NBC, no dia 14 de setembro de 1985. Foi produzida por Witt/Thomas/Harris Productions, uma fusão dos criadores e produtores executivos do programa: Paul Junger Witt, Tony Thomas e Susan Harris (criadora principal). Em parceria com a Touchstone Television, a série foi distribuída pela Buena Vista Television, uma extensão dos estúdios Disney (sim, as golden girls são estrelas Disney por extensão haha tendo sido elas agraciadas com a honraria de "Lendas Disney" em 2009). O sucesso do show inspiraria novos rumos para os estúdios Walt Disney, até então voltados exclusivamente para crianças e filmes família com classificação livre. 


Fotos promocionais na época do piloto para a primeira temporada, 1985. Um pouco do visual e algumas nuances das personagens mudaram a partir dos episódios seguintes.


A Touchstone foi uma divisão do Walt Disney Studios, criada em 1984 pelo então CEO Ron W. Miller (genro de Walt), com o propósito de distribuir filmes e produções de teor mais maduro

Notando hoje que a série tinha até cenários simples e gravada quase inteiramente em estúdio, é possível que a emissora nem desse muito pela série logo no início, afinal ninguém sabia se o público ia comprar a ideia de quatro mulheres idosas dividindo uma mesma casa. Para a surpresa dos incertos, o show fez o maior sucesso e manteve índices altos de audiência por temporadas consecutivas nas noites de sábado. O show terminou em 9 de maio de 1992, fechando com sete temporadas e 180 episódios no total. Contou com uma média de 40 roteiristas durante a produção, com nomes como Christopher Lloyd, que depois criou Modern Family, Marc Cherry, criador de Desperate Housewives, e Mitchell Hurwitz, criador de Arrested Development


Elenco e produção reunidos. Susan Harris também criou séries como Soap (1977-1981) e Empty Nests (1988-1995)

Eu confesso que não sou um grande fã de séries, tendo acompanhado poucas, do começo até o fim então menos ainda. Mas eu vou comentar um pouco da minha experiência pessoal. Primeiramente, como eu conheci a série: da forma mais aleatória possível haha


Tudo começou quando eu assisti a um filme de Sylvester Stallone na TV a cabo (por volta de 2011, acho) chamado Pare Senão Mamãe Atira. 


Filmaço, hein? 


Mas o que é que isso tem a ver com qualquer coisa? Calma. A mãe dele no filme era justamente a Estelle Getty, uma das atrizes que estrelou Golden Girls. Através do Filmow (aquele site flopado que eu ainda uso pra marcar filmes, não sei por que), eu puxei a filmografia dela e notei aquela série: The Golden Girls. Eu no máximo conhecia só a Betty White superficialmente naquele momento, afinal ela é considerada por muitos a rainha da TV americana. A tradução "As Super Gatas" é tosca, mas eu acho divertida. Adorei a proposta do show e me pareceu aquele tipo de série nostálgica e divertida com humor de qualidade que dá quentinho no coração. Eu particularmente sempre gostei de mulheres fazendo comédia, ainda mais se for num estilo ácido, sagaz e depreciativo. Mas só dois anos depois mesmo que eu fui baixar por torrent e enfim comecei a ver a primeira temporada, no meio de 2013. 



Na época que eu comecei a assistir, era quase impossível encontrar a série legendada, diferente de hoje em dia que você pode adquirir no Mercado Livre ou baixar com legendas na internet. Em 2013 e tal era bem difícil, a maioria dos sites com os episódios online eram ruins, só tinha DVD importado para comprar e no fim eu acabei vendo a série toda baixada e sem legendas. Foi difícil entender todas as piadas e algumas falas, mas eu aprendi muito inglês e vocabulário assistindo à série. Eu recomendo sair um pouco da caixa de vez em quando e tentar ver uma série ou um filme sem legenda ou ao menos com legenda no idioma inglês. Isso ajuda muito a ganhar vocabulário e melhorar a compreensão (falo isso como professor de idiomas que sou). Se hoje eu sei e ensino inglês, filmes e séries que me ajudaram muito no processo de aprendizado. 


A série completa em DVD, um dos meus pequenos tesouros




As atrizes em noite de autógrafos para o lançamento dos boxes da terceira temporada, 2005

Felizmente, por sorte, eu encontrei os boxes importados da série completa no fim de ano de 2018  no Mercado Livre por um preço super em conta! Eu fiquei super feliz e hoje são daquelas coisas que não vendemos por nada. Eu fiz questão de rever a série toda no início de 2019 e gostei tanto quanto na primeira vez. Acho que o show manteve um bom ritmo e não se desgastou durante as temporadas, tendo terminado no momento certo.



Mas enfim, sobre a sinopse em si: a sitcom foca na vida de quatro mulheres na terceira idade que vivem juntas em uma casa na cidade de Miami, Flórida, Estados Unidos. A casa é da "bela sulista" fogosa Blanche Devereaux (Rue McClanahan), que topa dividir a casa com Dorothy Zbornak (Bea Arthur) e Rose Nylund (Betty White). Dorothy é uma professora substituta divorciada, inteligente e extremamente sarcástica, enquanto Rose é uma viúva doce e meiga (e um tanto burrinha, mas por trás de sua ingenuidade às vezes mostra mais esperteza que as suas amigas). 




Apesar dos arquétipos bem marcados (a burra fofa, a esperta solteirona, a egocêntrica sensual, a velhinha do pavio curto), a série não fica forçada e nem repetitiva nas piadas devido à criatividade dos escritores e perfeito timing cômico das atrizes. Cada personagem tem seu momento pra brilhar e também momentos de drama ou situações que as tiravam de suas zonas de conforto. Sempre havia uma nova possibilidade em cada personagem, sem descaracterizar ou perder o tom. 


O cozinheiro gay Coco aparece apenas no primeiro episódio

E logo no piloto chega a quarta integrante do elenco: Sophia Petrillo (Estelle Getty), mãe de Dorothy. Sophia é a mais brava e sem papas na língua: ela diz o que pensa sem medir palavras, geralmente ácidas e sarcásticas. Ela morava num asilo chamado Shady Pines, mas este pega fogo e Sophia sai de lá para morar na casa também. Inicialmente Sophia não foi idealizada como uma personagem principal, ela faria apenas participações. Mas a química com as outras personagens fez com que Sophia ficasse no elenco fixo. Já o cozinheiro gay Coco (Charles Levin), que aparece no piloto, acabou sendo cortado do show. Ele até agradou o público e o ator era talentoso, mas os produtores acharam que o cozinheiro ficaria avulso no contexto de amizade das amigas, sem falar que durante o programa elas estão sempre em perrengue de dinheiro, e assim não faria sentido elas terem um empregado. No fim, Sophia ganhou mais projeção e o cozinheiro foi tirado. 


Sophia e suas "one-liners" sempre ultrajantes 

Ironicamente, Estelle Getty era um ano mais nova do que Bea Arthur, sua filha na série. Os maquiadores passavam até três horas com Estelle preparando o visual de octogenária da personagem. O esforço da produção e o talento da atriz convenceram afinal. Como Sophia era a mais velha, a personagem serviu para dar uma ideia de juventude para as outras mulheres, já que elas eram mais novas. Assim Sophia era uma figura maternal e as três outras amigas soavam como garotas maduras. 


ORIGENS E PERSONALIDADES 


As quatro atrizes ganharam o Prêmio Emmy pelos seus trabalhos na série. Betty em 1986, Rue em 1987 e ambas Bea e Estelle em 1988


Uma coisa que eu acho bem interessante nas personagens não é apenas o fato de cada uma ter a sua própria personalidade bem marcada (o que já é ótimo e não soou forçado por conta do excelente roteiro e pelos talentos das atrizes). Mas também cada personagem tem um background diferente, e a origem de cada personagem reflete claramente nas suas personalidades. Cada uma vem de um lugar diferente dos EUA: 


A relação mãe e filha de Sophia e Dorothy foi um dos pontos altos da sitcom


Dorothy é natural do clássico bairro Brooklyn, em Nova York, um bairro mais suburbano e de pessoas mais humildes. Sua família, de imigrantes italianos, era cheia de personalidades fortes e humor cáustico. Sophia era uma boa mãe que amava seus filhos, mas era extremamente crítica e depreciava muito Dorothy, já que Dorothy era muito alta (1,77m) , ossuda, e ainda tinha uma voz bem grossa, total fora dos padrões de beleza. Foi casada por 38 anos com o cafajeste Stanley Zbornak (Herb Edelman), com quem teve dois filhos. Mas após todo esse tempo de casamento Stanley trocou Dorothy por uma comissária de bordo muito mais nova. E assim Dorothy se tornou uma mulher ácida, durona e autodepreciativa. Mas muito inteligente e espirituosa também. Ela é o cérebro da série e muitas vezes a líder das amigas. Durante os episódios se descobre que Dorothy tem 55 anos e seu signo é Leão. 


"Por que eu não uso uma placa que diz "Feia demais pra viver"'? (depois das amigas mais a depreciarem do que ajudarem na sua roupa pra uma festa)

Sophia, a mãe de Dorothy, nasceu numa vila pobre na região da Sicília, na Itália. Eventualmente ela imigrou para os EUA, teve como marido Salvadore "Sal" Petrillo e filhos Gloria, Phil e Dorothy. Sophia sempre demonstra ter Gloria como sua filha favorita, uma mulher fútil e rica. Phil já era um homem excêntrico que gostava de se vestir de mulher (cross-dresser), mesmo casado e com filhos. Dorothy acabou sendo o patinho feio, mas a relação de amor e ódio entre Dorothy e Sophia rende momentos inesquecíveis durante o show. Sophia costuma chamar Dorothy de "pussycat" (especialmente quando quer tirar proveito da filha por alguma razão).




Sophia tem por volta de 80 anos durante as temporadas. Mesmo aposentada, ela sempre arranja coisas pra fazer (geralmente confusões que Dorothy acaba tendo que resolver). Apesar de durona e mordaz, Sophia tem um bom coração e sempre dá um conselho de sabedoria para as demais. E a inversão de papéis, com Dorothy fazendo a vez de mãe com Sophia que age como criança, provoca muitas risadas. 




Rose vem da cidade fictícia Saint Olaf, no estado do Minnesota, que faz parte do Meio Oeste (ou Centro-Oeste) do país, uma região mais rural, de campo e fazendas. Saint Olaf é uma cidade esquisita com os tipos e histórias mais bizarros possíveis, o que leva Rose a estar sempre contando histórias estranhas e sem sentido de sua cidade natal para as suas amigas, que geralmente odeiam e ficam aborrecidas com o nonsense dessas histórias, mas no fim sempre escutam até o final. 




Rose era casada com Charlie em St. Olaf e teve cinco filhos com ele. Enviuvou e decidiu mudar-se para Miami, onde conseguiu um emprego de conselheira de pessoas deprimidas, provavelmente por sua alegre disposição e otimismo estilo Pollyanna. Nas últimas temporadas, Rose arranja um emprego como assistente de produção de uma emissora de TV.   


Blanche e Rose 

Além disso tudo, Rose era descendente de imigrantes da Escandinávia, mais especificamente da Noruega. Esse fato a fazia estar sempre falando palavras esquisitas, supostamente norueguesas, mas eram todas inventadas pelos roteiristas para fins de comédia, e não queriam dizer nada na vida real. E ainda por cima Rose cozinhava pratos esquisitos, quase sempre peixe ou coisas típicas dos países nórdicos. 



A dona da casa, Blanche Devereaux, já vinha de Atlanta, Geórgia, na região sul do país, tendo sido criada numa casa grande com plantação que remonta os tempos da escravidão como no filme E O Vento Levou. Blanche faz a linha Scarlett O'Hara: era uma beldade sulista extremamente vaidosa e coquete, gostando de flertar e passar o rodo geral nos homens. Algumas vezes ela chega a ser comparada com Blanche DuBois de Um Bonde Chamado Desejo - a bela sulista decadente que vira uma mulher depravada e louca após perder tudo o que tinha na vida. 


Os figurinos de Blanche eram os mais glamourosos. Rue McClanahan tinha uma cláusula em seu contrato que dava para ela todos os figurinos de sua personagem. Anos depois a atriz lançou uma linha de roupas no canal QVC inspirada no vestuário de Blanche mas com tecidos e materiais mais acessíveis ao grande público


Blanche era viúva e teve seis filhos com seu marido falecido George. Após a morte do marido, Blanche despirocou e começou a ser uma devoradora de homens (mas pelo que ela conta, sempre foi safada desde a juventude). Como toda boa sulista, é uma excelente contadora de histórias, mas geralmente ela exagera e inventa coisas que só favorecem ela mesma e suas irresistíveis beleza e sensualidade. Blanche trabalha durante o show em um museu de arte em Miami. 




O sotaque sulista carregado de Blanche foi ideia da atriz Rue McClanahan. Se vocês repararem, no piloto ela fala normal, mas do segundo episódio em diante Blanche já tem o sotaque sulista bem acentuado. A produção gostou da sugestão, pois enriquecia o tom cômico da personagem, e assim ficou durante a série inteira. 


Mesmo amigas, elas soltavam muito veneno entre si na hora da briga

hahahaha



Sobre serem parecidas com suas personagens, Rue (Blanche) refletiu e disse: 


"Não éramos nem um pouco como os nossos personagens. Betty provavelmente era a menos. Eu diria que Estelle [Getty] era mais como Sophia, embora não fosse nada agressiva ou mordaz. Estelle era engraçada. Ela era judia, engraçada no estilo nova-iorquino. Ela ficava dizendo: 'Não podemos tornar esses personagens judeus?' Ela teria se sentido muito mais confortável do que tentar ser italiana, embora funcionasse. Bea [Arthur] era a personagem mais direta, a menos excêntrica, mas certamente o fracasso de Dorothy na vida era muito diferente do enorme sucesso de Bea na vida real. Bea conseguia uma abordagem muito engraçada sobre as pessoas e ela é perspicaz. E Betty [White] não tem nada além de cérebro. Ela é quase tão inteligente quanto eu! "

RELACIONAMENTOS, TEMAS IMPORTANTES E MÉRITOS DO PROGRAMA 


Um ritual das amigas era sempre pôr a conversa em dia em volta da mesa, fosse de manhã, tarde ou noite alta, e de preferência com café, chá, suco ou chocolate quente e muitas guloseimas - a favorita era cheesecake (ironicamente, Bea Arthur não gostava de cheesecake e pouco comia a sobremesa de verdade nas gravações). Sophia sempre preparava delícias italianas 


Uma coisa muito boa do programa é mostrar que as pessoas com mais de 60 anos podem e devem ter uma vida ativa. Essas mulheres não ficam em casa só tricotando, vendo TV, dando comida para os pombos ou reclamando da vida. Elas trabalhavam, tinham encontros e sexualidade ativa, viajavam, enfim, como qualquer pessoa comum de menos idade! 


Lady Diana e a Rainha Elizabeth II eram fãs do seriado. Em 1988 as atrizes fizeram uma apresentação ao vivo para a realeza britânica na Royal Variety Performance daquele ano.


Dorothy costumava ser motivo de chacota porque ficava quase sempre sozinha em casa à noite ou tinha encontros malsucedidos, ainda mais porque era excêntrica, estilo intelectual e fora dos padrões de beleza típicos. Seu ex-marido Stanley faz participações recorrentes na série, o que gera muita briga entre eles mas também algumas recaídas. 


A relação entre Dorothy e seu ex-marido Stanley também rendeu bastante

Rose e seu namorado das últimas temporadas, Miles


Rose variou entre os dates de um só episódio até o namoro longo com o professor Miles (Harold Gould). Por mais fofa que fosse, Rose também tinha um lado fogoso e de namoradeira. E o lado negro de Rose: ela era extremamente competitiva. Odiava perder e se tornava uma verdadeira bitch em competições. 




Já Blanche, claro, com todo o seu fogo e sex appeal, era a mais requisitada e estava sempre com um date novo (ou tentando dar em cima do homem das outras). No episódio piloto ela quase se casa com um homem que no fim não valia nada. Depois disso, ela só passa a sair com homens diversos, sem grandes compromissos. Às vezes cogitava relacionamentos mais sérios também... Blanche adora distorcer a realidade a seu favor, contando histórias de sua vida que mais parecem contos eróticos de pornô de banca de jornal. 


A mesa da cozinha tinha apenas três lugares geralmente, o que fazia com que uma delas tivesse que ficar de pé ou ausente - ou de vez em quando elas quatro conseguiam se espremer para caber na mesa e na tela da TV 

Mas claro, há sempre os dois lados. Através de Blanche, por exemplo, se explorava muito a dificuldade de aceitar a idade e todo o combo que isso envolve, pois Blanche tentava sempre parecer mais jovem e nunca revelava sua idade, o que causava situações desde muito divertidas até embaraçosas.  


Sophia, por sua vez, mesmo com 80 anos demonstrava interesse em conhecer pessoas e ter relações sexuais. Ela até chega a se casar em uma das temporadas, mas não dura nem dois episódios. Assim como Rose, Sophia adorava contar histórias mirabolantes, mas geralmente eram inventadas e inacreditáveis. 


Dorothy chocada com a vida sexual da mãe


A discussão sobre AIDS e HIV em 1990 no programa foi corajosa

As temáticas sociais durante a série foram corajosas e até à frente do tempo. O HIV, por exemplo, foi discutido em um episódio de 1990 no qual Rose, após uma confusão de hospital, descobre anos depois que pode ter recebido sangue de um soropositivo durante uma transfusão. O título do episódio é 72 Hours, porque Rose precisa esperar três dias até sair o resultado do teste: se ela tem HIV ou não. Esse suspense rende um dos melhores episódios da série, não só pelo drama da situação mas pela função social de conscientizar as pessoas que "AIDS não é uma doença de gente ruim", como diz Blanche durante o episódio (ela também alerta para sempre se usar preservativo nas relações sexuais). Mais ainda: HIV não está restrito apenas à comunidade gay, como se pensava naquela época e infelizmente até hoje muita gente desinformada ainda acha. Sobre o episódio, Betty White disse:


“Não só as pessoas tinham medo compreensivelmente da AIDS, mas muitas pessoas nem mesmo admitiam que ela existia”, disse ela. “Então esse foi um episódio ousado de se fazer, e os escritores foram com tudo na ideia. É interessante que eles tenham escolhido Rose para essa situação. Blanche era uma senhora "muito ocupada", mas se fosse sua história, teria seguido outro estilo de abordagem. Mas com Rose sendo a mais certinha, foi uma verdadeira surpresa.”



Outras abordagens interessantes durante o programa foram: 

Preconceito de idade, assédio e machismo: Muitos episódios e plots pra listar, mas foram certamente os temas mais recorrentes por conta das personagens serem idosas e mulheres. Rose, por exemplo, tem muita dificuldade de encontrar emprego por conta de sua idade. Blanche muitas vezes é vítima de assédio e más intenções de homens que só a veem como objeto sexual e mais nada. Sexo na terceira idade e menopausa também são discutidos abertamente durante todo o programa.


Blanche vítima de assédio sexual de um professor que ofereceu dormir com ela em troca de uma nota alta (e não recebendo apoio depois na hora da denúncia)


Rose vítima de assédio de seu dentista


Casamento gay, homossexualidade e "se assumir": O irmão de Blanche, Clayton, é gay e ela demora até enfim aceitar o irmão como ele é. Em outra ocasião, uma amiga de Dorothy passa uma temporada na casa das amigas e se apaixona por Rose (o que causa despeito em Blanche, que sempre se acha a irresistível). Sophia por sua vez tem dificuldade de aceitar o fato de seu filho Phil ser um cross-dresser, mas quando este morre, ela enfim entende que não tinha nada de errado nem com o filho e nem com ela mesma. 


É sobre isso :-)


Blanche enfim aceita a sexualidade e o casamento do irmão


Sophia sobre ter um filho gay


Casamento inter-racial: O filho de Dorothy, Michael, resolve se casar com uma moça negra, o que provoca um choque entre as duas famílias - esse episódio causa controvérsias sobre racismo hoje em dia, rendendo até um momento acidental de black face com Blanche e Rose com lama na cara para fins estéticos.

Gravidez na adolescência: A própria Dorothy engravidou de Stanley quando ainda era uma adolescente terminando o colegial, algo que ainda gera desentendimento anos depois entre ela e sua mãe Sophia, que vive a depreciando por esse "mau passo" que culminou no casamento com Stan, um fracassado embusteiro. 

Atendimento médico ruim: Dorothy sofre de fadiga extrema e recorre a diversos médicos pra descobrir o que pode ser, mas todos dizem que ela está ótima e que o problema é "mental", algo que só a deprecia e não resolve o seu problema. No fim ela descobre sofrer de Síndrome de Fadiga Crônica (em inglês Chronic Fatigue Syndrome, CFS) e confronta um médico que a diagnosticou erroneamente. 




Relações entre jovens e idosos: As amigas se deparam em alguns episódios com o conflito de gerações, especialmente com parentes jovens que vão passar uma temporada na casa de Miami com elas. 




Adultério: Dorothy se torna "a outra" ao dormir com um homem casado, o que provoca dilemas morais e pessoais para ela. 

Vícios: Dorothy demonstra ter problemas com jogos de azar e cigarro em alguns episódios. Rose lida com anos de dependência de analgésicos e comprimidos. 

Guerra nuclear: Preocupada com os rumos do planeta, Rose escreve uma carta para o então presidente dos EUA Ronald Reagan e outra carta para o então premier soviético Mikhail Gorbachev. A iniciativa gera uma série de desentendimentos engraçados (e internacionais). 




Antissemitismo: Dorothy faz amizade com uma intelectual arrogante que no fim se revela antissemita. A neonazista faz parte de um clube que exclui judeus. Dorothy corta relações e distribui voadoras. 


[sobre excluir judeus] "Não é meu regulamento", "Mas você o tolera"


Inseminação artificial: Uma das filhas de Blanche, Rebecca, decide ter um filho através de inseminação, que pode soar comum hoje mas na época ainda era um processo recente. 


O tópico de inseminação artificial quando ainda era novidade e as gerações mais velhas não entendiam

Políticas de imigração nos EUA: Dorothy fica encantada com um de seus alunos prodígio, que tira nota A por escrever sobre "como é bom ser um americano". Mas pouco depois o mesmo rapaz é considerado um imigrante ilegal e fica em vias de ser deportado. Dorothy fica chocada e faz de tudo para manter o aluno no país, mas não consegue. 





Deficiências e distúrbios: A série trouxe personagens com deficiência física e motora sem fazer piada e também não tratando-os como vítimas, mas sim como pessoas como todos nós. Uma vez Blanche se interessa por um cadeirante, mas depois de todo um conflito pessoal para aceitar isso, ela descobre que ele era casado no fim das contas. Também um dos episódios mais famosos é quando Rose namora com um anão. 




Problemas de saúde sérios: Blanche, como suas amigas, tem que aceitar o fato de estar envelhecendo em muitos episódios, mas um dos mais emblemáticos é quando ela tem que lidar com o uso de um marca-passo. No começo da série ela também aceita doar um de seus rins para sua irmã Virginia, com quem sempre rivalizou. 

Cada uma das personagens eventualmente sofre de algum problema de saúde sério, o que mobiliza todas e rende momentos de muita emoção.


Sophia acaba sendo uma figura maternal da casa inteira. Ela sofreu um derrame sério antes do início do programa. Seus problemas intestinais sempre viram motivo de piada.


Pobreza e desabrigados: Em um episódio as quatro amigas servem de voluntárias em um abrigo de pessoas sem-teto durante o Natal; em outro mais dramático, as amigas perdem um bilhete de loteria e descobrem que pode estar em um abrigo de pessoas sem-teto - elas passam a noite e se solidarizam com a situação das pessoas de lá e quando acham enfim o bilhete, resolvem doar o prêmio para os desabrigados. Em certa altura, Dorothy descobre que seu ex-marido está sem teto e o acolhe. 


"Ninguém me disse que custava dinheiro para envelhecer"

Luto e perdas: As super gatas perdem entes queridos ao longo do programa. Sophia perde seu filho Phil, Blanche perde o pai Big Daddy, enfim, sempre rende momentos emocionantes, algumas piadas no meio e ótimas performances das atrizes. Em alguns episódios as personagens passam por experiências quase morte. 




Suicídio: uma amiga de Sophia, Martha (Geraldine Fitzgerald) pede que ela a assista enquanto toma pílulas fatais para tirar a vida. Suicídio é um tema ainda tabu, ainda mais com idosos, então a série foi muito corajosa e escreveram maravilhosamente bem o episódio. 


Sophia pede para estar com a amiga em vida, e não na morte, e as duas se abraçam


Geraldine Fitzgerald (1913-2005) foi uma ótima atriz da era clássica, atuando geralmente como coadjuvante em muitos filmes da Warner nos anos 1940. Ela atuou com sua amiga Bette Davis em Vitória Amarga (foto, 1939) e Horas de Tormenta (1943).


Como todo programa, nem tudo é maravilhoso. Tem episódios com falas gordofóbicas, machistas... Coisas e referências dos anos 80 e 90 que hoje já soam ultrapassadas, além de haver disputa feminina desnecessária em alguns momentos também, enfim. Temos que ter em mente que é um programa com quase 40 anos de idade, então claro que tem piadas datadas e hoje impensáveis. Eu sugiro que a série seja assistida com a consciência de que é produto de um tempo passado e temos que analisar cientes do contexto da época, e não pura e simplesmente com a mentalidade politicamente correta de hoje (digo isso pra qualquer produção artística e audiovisual de antigamente). 


O blackface com lama na cara é um dos deslizes controversos da série. Esse episódio foi até retirado do Hulu para evitar polêmica (o que nós achamos errado, já que o ideal é deixar o episódio, com algum tipo de notificação sobre o conteúdo para o público)


Moral da história: as quatro mulheres começam a série perdidas; divorciadas ou viúvas, com filhos crescidos e numa nova cidade, então reunidas da forma mais aleatória possível a princípio, já que cada uma tem um background diferente e não tem nada em comum. Mas com o passar do tempo e com a convivência, elas criam um laço de amizade inesquecível. Juntas, elas vivem e dividem momentos de alegria assim como de tristeza, e descobrem que a vida não estava perto do fim, e sim no início de seu melhor momento.  


A série era gravada com plateia ao vivo duas vezes por semana, após mesa de leitura nas segundas-feiras e mais outros dias de ensaios. O episódio final era uma edição com os melhores momentos dessas live performances (pelo entusiasmo e espontaneidade das risadas de fundo, dá pra notar que não são risadas fake) 


CURIOSIDADES 


As Super Gatas passou brevemente na Rede Globo na extinta Sessão Comédia em 1987. Depois em 1989 na TV Gazeta, e por fim no canal Multishow em 2004

A série teve inúmeras participações especiais, como Burt Reynolds, Dick Van Dyke, George Clooney, Debbie Reynolds, Mickey Rooney, Geraldine Fitzgerald, Leslie Nielsen, Sonny Bono, Bob Hope, Rita Moreno e muito mais. Até Quentin Tarantino fez um cameo durante o programa. 


Debbie Reynolds

George Clooney

Dick Van Dyke

Tarantino no fundo como um dos vários cosplays de Elvis



Apesar de retratar senhoras idosas, o programa conseguiu ser mais popular entre as crianças e os jovens. Segundo as atrizes, a maior parte da fan mail vinha de crianças e adolescentes. A atmosfera amigável e convidativa da série atrai públicos de todas as idades, especialmente os mais jovens que já perderam ou não convivem com os pais, avós ou parentes mais velhos. 


Apesar do teor adulto em muitas piadas e temáticas, o programa ainda faz muito sucesso com crianças e adolescentes

Originalmente, Betty White faria o papel de Blanche, enquanto Rue McClanahan faria Rose. Hoje parece inimaginável, mas a produção na época havia pensado em reprisar tipos que as atrizes já tinham feito anteriormente. White já tinha feito uma ninfomaníaca devoradora de homens em The Mary Tyler Moore Show, e Rue também já havia sido a ingênua burrinha no seriado Maude. O diretor do piloto, querendo evitar o typecast, sugeriu que os papéis fossem invertidos: Betty seria Rose e Rue seria Blanche. O resultado agradou a todos e assim ficou. 


Betty White como Sue Ann Nivens, a ninfomaníaca de The Mary Tyler Moore Show (1970-1977)


Bea Arthur e Rue McClanahan trabalharam juntas antes de GG, na série Maude nos anos 70 (1972-1978)


Mesmo com o clima amizade permeando a série, nem sempre os bastidores eram assim. De modo geral as atrizes eram profissionais e se davam bem em off. Bea e Rue se conheciam desde os tempos de Maude, enquanto Rue e Betty também já haviam trabalhado juntas em Mama's Family. Estelle era a mais novata no meio televisivo, mas se tornou querida por todos. Enfim, a relação que não ornou muito foi entre Bea Arthur e Betty White. 

O sarcasmo ferino de Dorothy contra Rose parecia mais do que ficção


Não foi necessariamente um feud, mas Bea nutria uma certa antipatia por Betty. Ninguém sabe bem ao certo por que, mas provavelmente foi um choque de personalidades. Betty era sempre a mais efusiva, animada, e logo a mais popular com o público antes e depois das apresentações ao vivo. Arthur, a mais excêntrica do elenco, gostava de andar descalça pelo set, relia as suas falas até a mesa de leitura ou hora de gravar e interagia menos. Betty também foi a primeira integrante do elenco a ganhar o Emmy em 1986, enquanto as outras venceram apenas nas edições seguintes. As duas atrizes tinham respeito uma pela outra, mas nunca tiveram de fato uma amizade fora das câmeras. O estilo de trabalho das duas era bem diferente também: Bea não gostava da quebra da quarta parede e piadas que Betty costumava fazer durante as gravações e leituras, considerando a postura não profissional. Eventualmente Bea revirava os olhos com a infinita disposição de Betty White. 


Arthur ainda exigiu que os roteiristas parassem de depreciar seu porte físico no decorrer da série, e assim as piadas sobre Dorothy deram uma abrandada nesse quesito. Nesse sentido, ela tinha razão.


De qualquer forma, Betty nunca se sentiu ofendida ou mal pela aparente antipatia de Bea. Até hoje ela reconhece o talento da colega de cena. Interessante mesmo assim é que Bea Arthur gostava de almoçar junto com as colegas de cena todos os dias, Betty inclusa. Rue McClanahan também dizia não ser super próxima de Bea, a quem considerava "muito, muito excêntrica". 


A casa que serviu de cenário externo da série está no endereço 245 N Saltair Ave, Los Angeles, CA 90049 (região de Brentwood). Havia uma réplica da casa na Disney World até meados dos anos 2000, quando foi demolida... Pelo fato da série ser gravada em estúdio para plateias ao vivo, o show não costumava ter sequências externas.


A casa hoje em dia. Recentemente foi vendida por pouco mais de 4 milhões de dólares


THE GOLDEN PALACE (O Spinoff sem Dorothy)


Rue McClanahan, Betty White e Estelle Getty com os atores Cheech Marin, Don Cheadle e Billy L. Sullivan durante o spinoff The Golden Palace, que durou só uma temporada


De setembro de 1992 até maio de 1993, a CBS e os criadores de The Golden Girls resolveram apostar em uma continuação avulsa do show, agora sem Bea Arthur pois a atriz não quis continuar após o fim da sétima temporada e a personagem Dorothy no fim da série toma outros rumos (não darei spoilers haha).


A despedida emocionante no final de The Golden Girls



Em resumo, com a partida de Dorothy, as três amigas Blanche, Rose e Sophia decidem investir em um hotel. Assim, a casa é vendida e as três se unem com alguns novos amigos para tocar o negócio hoteleiro para a frente. Os roteiristas até fizeram um bom trabalho e algumas situações diferentes foram interessantes - aqui Rose se mostra mais esperta e durona, Blanche mais proativa e madura, e Sophia também mais independente e ativa (agora que sua filha não está por perto). E Dorothy ainda aparece em dois episódios como convidada especial!

Não chega a ser tão bom e marcante quando Golden Girls, mas é uma temporada divertida e eu recomendo aos fãs. Os episódios do spinoff estão no Youtube. 


As quatro amigas reunidas em The Golden Palace



O spinoff também tratou de temas espinhosos. Em um dos episódios, Blanche entra em atrito com Roland, o gerente do hotel vivido por Don Cheadle, por causa da bandeira confederada (representação do antigo Sul americano durante a Guerra da Secessão e considerada hoje um símbolo racista). Blanche, uma sulista ardente, quer promover um evento para a antiga Confederação, mas Roland não aceita e resolve sair do hotel. O desfecho dessa treta eu deixo para os interessados assistirem ao episódio e ver no que dá... Afinal é uma discussão pertinente que perdura até hoje nos Estados Unidos. 


E POR FIM, AS ATRIZES 



Para encerrar, eu gostaria de fazer uma mini biografia de cada uma das atrizes. Acho elas super talentosas e muito subestimadas, então vale a pena conhecer mais do trabalho de cada uma.


Betty, Rue e Bea reunidas em junho de 2008 (Estelle Getty faleceu naquele mesmo ano, após anos de saúde debilitada)


RUE MCCLANAHAN (Blanche)


Autógrafo da Rue que comprei no eBay em 2020 ^^


Diferente da sulista Blanche, Eddi-Rue nasceu no estado de Oklahoma no dia 21 de fevereiro de 1934, sendo a mais nova do elenco da série. Formada em Artes, ela frequentou o Actor's Studio e começou a atuar profissionalmente em 1957 no teatro, chegando a ganhar um prêmio Obie (Off-Broadway) em 1969, e fez sua estreia na Broadway naquele mesmo ano. A atriz fez um considerável número de filmes, mas só na televisão que sua carreira iria realmente deslanchar. 


Rue em sua participação no seriado lendário All in the Family, 1972


Pegando o gancho de All in the Family, naquele mesmo ano de 1972 ia ao ar o spinoff da série, Maude. Vou falar mais de Maude na parte da Bea Arthur, que era a estrela do programa, mas enfim... Rue ganhou um dos papéis principais da série: a amiga inocente e vizinha de Maude, Vivian. Anos depois as duas atrizes se reencontraram em As Super Gatas


Rue lançou sua autobiografia My First Five Husbands... And The Ones Who Got Away em 2007


Após o fim de GG, McClanahan continuou bastante ativa na indústria, fazendo filmes, participando de séries e eventualmente atuando em peças de teatro, como no musical de sucesso da Broadway Wicked entre 2005 e 2006. Rue era vegetariana e foi uma ativista determinada na defesa dos animais. Foi uma democrata convicta em vida, e apoiou publicamente a eleição de Barack Obama em 2008. Também defendeu o casamento gay e os direitos LGBT+, participando de inúmeras causas e eventos relacionados. 


"Nenhuma de nós era como qualquer uma de nossas personagens. As pessoas me perguntam se eu sou como Blanche e minha resposta padrão é: 'Fala sério! Veja os fatos, Blanche é louca por homens, glamorosa, extremamente sexy, bem-sucedida com os homens, uma sulista de Atlanta, Georgia, e eu não sou de Atlanta!"

Rue McClanahan morreu em Manhattan no dia 3 de junho de 2010, aos 76 anos. Ela sofreu hemorragia cerebral semanas depois de sofrer um derrame. A atriz havia passado por uma cirurgia delicada do coração meses antes.  

ESTELLE GETTY (Sophia)



Nascida Estelle Scher em 25 de julho de 1923, descendente de imigrantes judeus da Polônia, ela cresceu em Nova York e decidiu ser atriz assistindo shows de vaudeville. Ela se formou, casou e teve dois filhos. Mesmo assim ela não desistiu de seu sonho e persistiu em papéis no teatro enquanto trabalhava como secretária em Manhattan. 

Não só na série, mas na vida real de Estelle Getty o melhor momento veio na terceira idade. Só com quase 60 anos, em 1982, após décadas de teatro,  é que seu grande papel aconteceu. Foi o seu trabalho marcante nos palcos da Broadway em Torch Song Trilogy que chamou a atenção dos produtores da CBS, que fizeram um teste com Estelle e ela acabou contratada (foi a primeira contratada oficial do elenco de Golden). Estelle jurou que iria desistir da profissão de atriz caso não passasse no teste para o show, mas felizmente ela não só foi aprovada como fez um grande sucesso. Sophia Petrillo ainda fez participações especiais em outros programas de TV como Empty Nests e Blossom. Em outros papéis ou como ela mesma também participou como convidada em The Nanny, Mad About You, entre outras séries. Filmes, citando alguns, ela fez Marcas do Destino, Manequim, Tootsie e o seu último foi Stuart Little

Apesar de seu talento, Estelle tinha medo do palco e às vezes medo das câmeras. Por vezes a atriz teve problemas para memorizar as suas falas e gravar cenas do programa, chegando a usar papéis e cartões escondidos para lembrar as falas. Ela se sentia intimidada pelo calibre das estrelas de TV com quem dividia a cena, como Bea Arthur e Betty White. Mas é provável que Getty já estivesse manifestando sintomas iniciais de demência naquele época - doença mental com que a atriz lidou até seus últimos dias, falecendo em 2008. 


Com Harvey Fierstein em Torch Song Trilogy - a peça marcou pela sua representatividade do meio LGBT nos anos 80, com foco num protagonista judeu queer, seus relacionamentos e sua relação caótica com a mãe conservadora 


A versão pros cinemas da peça foi estrelada por Anne Bancroft em 1988


Independente de ser republicana, ela foi uma ativista dos direitos LGBT, motivada por ter perdido amigos e familiares para o HIV, como seu sobrinho Steven Scher. Na cidade natal dele, Greensboro, na Carolina do Norte, Getty ajudou a fundar um centro de saúde para pacientes com AIDS, que opera até hoje. 

Na época do auge de Golden Girls, Getty ainda lançou uma autobiografia, If I Knew Then, What I Know Now... So What?, e participou de um vídeo de exercícios para pessoas da terceira idade. 

Eu ainda não tenho o autógrafo da Estelle, mas pretendo pois é a única do elenco que falta na minha coleção! :-)


BEATRICE "BEA" ARTHUR (Dorothy)


Meu autógrafo da Bea, do tempo do seriado Maude! 


Bernice Frankel nasceu numa família judia em Nova York no dia 13 de maio de 1922, mas passou boa parte da infância no estado de Maryland, onde os pais tinham uma loja de roupas. Bea foi considerada a garota mais espirituosa desde os tempos de colégio, e desde cedo quis trabalhar no show business. Até o final da década de 1940, ela serviu na Marinha como datilógrafa, estudou análise clínica na Pensilvânia e teve um primeiro casamento que durou só um ano. Seu primeiro marido se chamou Robert Aurthur, daí veio seu sobrenome artístico, que ela mudou a escrita para Arthur. 

Antes da fama,  Bea serviu na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial como motorista de caminhão e datilógrafa 



Com o apoio da família, Bea foi atrás de uma carreira como atriz no New York's Dramatic Workshop. Passou anos participando de diversas produções de teatro, chegando a aparecer nos anos 50 como regular no programa de TV Caesar's Hour, apresentado pelo comediante Sid Caesar. Mas seus primeiros papéis de destaque no teatro certamente foram em A Ópera dos Três Vinténs, de Brecht e montada em 1954, e o musical Um Violinista no Telhado em 1964 na Broadway, onde ela roubou a cena noite após noite. Dois anos depois, em 1966, veio o seu papel mais icônico nos palcos: o de Vera Charles no famoso musical Mame, no qual aparecia com uma de suas melhores amigas, Angela Lansbury, a estrela do show. Angela brilhou e fez história como Auntie Mame, personagem que já havia sido interpretada por Rosalind Russell no cinema e teatro. 


O musical foi dirigido por Gene Saks, que foi casado com Bea de 1950 até 1978 e com ela teve dois filhos adotivos: Matthew e Daniel. Saks dirigiu não apenas peças de sucesso, mas também filmes como Flor de Cacto, Um Estranho Casal e Descalços no Parque. Também foi ator em muitos filmes. Gene Saks faleceu em 2015 com 93 anos. 

As duas atrizes venceram o Tony Awards, de Atriz e Atriz Coadjuvante respectivamente


Com seu marido da época, o ator e diretor Gene Saks. Bea repetiu o papel de Vera Charles  numa versão pros cinema de Mame, em 1974, dessa vez com Lucille Ball como Mame. Diferente da peça, o filme foi um fiasco retumbante e o último filme de Lucille Ball



Em 1971, o escritor e produtor de televisão Norman Lear convidou Arthur para uma participação no seriado All in the Family, como uma parente da família da série. O episódio foi tão bom que Maude, a feminista esquerdopata,  acabou ganhando a sua própria série no ano seguinte. 


A primeira aparição de Maude, num episódio de All in the Family, comprando briga com Archie (Carroll O'Connor), o protagonista conservador. Ela era prima da esposa de Archie, Edith (Jean Stapleton). All in the Family foi outro show pelo qual todos os protagonistas venceram Emmy pelas suas performances


Maude foi um programa transgressor e à frente de seu tempo. A protagonista era uma mulher liberal, feminista, democrata convicta, cheia de opiniões e sem rodeios. Sua franqueza excessiva e personalidade forte a colocavam sempre em situações cômicas,  mas também sérias e dramáticas - a série não era só uma comédia rasgada, e apostava em um tom por vezes forte e dramático. O momento mais emblemático da série foi ainda na primeira temporada, num episódio em que Maude fica grávida mesmo já na meia idade, e após muito refletir, decide fazer o aborto. Mesmo já legalizado em alguns estados como NY e California, o aborto ainda era proibido em muitos estados e o plot causou muita polêmica - foi ao ar poucos meses antes da liberação do aborto no país com o famoso evento Roe vs. Wade de janeiro de 1973. 
Coincidência o bastante, Susan Harris (a criadora de Golden Girls) foi a escritora do episódio do aborto. 

Maude mudou a imagem feminina na televisão: madura, neurótica, idealista, fora dos padrões, consumidora de Valium. Ela militava mas ao mesmo tempo contradizia os seus ideais se portando como mais uma burguesa de classe média (algo que não a diminui, e sim a torna humana)



Maude vivia com seu quarto marido, o vendedor de eletrodomésticos Walter (Bill Macy), e a filha divorciada Carol (Adrienne Barbeau). Maude vive brigando com os republicanos conservadores, especialmente o seu vizinho reacionário Arthur (Conrad Bain). A amiga de Maude, Vivian (Rue McClanahan), depois se casa com Arthur. Arthur, apesar de boçal boa parte do programa, servia para contrastar e balancear com o liberalismo radical de Maude. O mérito do programa era fazer piada e mostrar os excessos de ambos os lados, mas ainda assim o viés progressista era muito mais forte. 

A série ainda tratou de alcoolismo, violência doméstica, suicídio, colapso nervoso, problemas psiquiátricos, drogas, divórcio, eleições, direitos sociais das minorias, racismo... E ainda tinha críticas diretas ao presidente Nixon e à Guerra do Vietnã. 


Bea Arthur fez muito sucesso no seriado Maude, vencendo o Emmy de Melhor Atriz em 1977. A série hoje já se encontra em DVD

Maude durou seis temporadas, encerrando em 1978 já que Bea Arthur não quis continuar. Ela fez alguns filmes e programas esporádicos depois, até começar As Super Gatas em 1985.


Com Rock Hudson no The Beatrice Arthur Special na CBS em 1980


Bea hesitou no início para interpretar Dorothy Zbornak em The Golden Girls, pois ela tinha medo de repetir Maude, e que as outras atrizes também repetissem personagens anteriores de suas carreiras e nada soasse original. Ela aceitou mesmo quando a direção do show trocou os papéis de Betty White e Rue McClanahan para a inocente ingênua e a bombshell sulista respectivamente. Dorothy era liberal e moderna assim como Maude, mas muito menos histriônica, mais low profile. Arthur disse que convenceu nesses papéis porque ela mesma na vida real era uma democrata e tinha praticamente os mesmos ideais. Também defendeu muito os direitos dos animais e os direitos das minorias sociais durante sua vida. 

Bea deixou 300 mil dólares em seu testamento para a causa LGBT, em especial para a iniciativa do New York's Ali Forney Center de dar abrigo e amparo para jovens LGBT sem teto


Bea se manteve menos ativa como atriz após o fim de GG. Ela ainda participou de alguns filmes e teve papéis pequenos esporádicos em séries. Recebeu vários prêmios e homenagens junto com suas ex-colegas Betty e Rue até seus últimos dias. Em 2001 realizou um show solo no teatro que lhe rendeu uma indicação ao Tony. A atriz era reservada e muito caseira, evitando ao máximo a cena das celebridades.

Curiosidade: Bea chegou a ser cogitada para dublar a bruxa do mar Ursula, no desenho animado da Disney A Pequena Sereia, em 1989. Mas o papel ficou com a atriz e comediante Pat Carroll. 

Bea Arthur faleceu por conta de um câncer de pulmão em 25 de abril de 2009, em sua casa em Los Angeles, Califórnia. Ao contrário de suas colegas de trabalho, odiava autobiografias e não escreveu uma.


O estilo de humor de Bea era ácido, seco, chamado de "deadpan" - o tipo de comédia que se faz com uma cara amarrada ou séria e aposta no contexto engraçado ou absurdo para provocar o riso, seguindo uma linha aparentemente não proposital. Buster Keaton é um exemplo clássico de humor deadpan

BETTY WHITE (Rose) 




O público mais jovem deve conhecer Betty White de séries como Hot in Cleveland ou comédias românticas de TNT como A Proposta, com Sandra Bullock. Mas White é uma das maiores pioneiras da televisão americana, com uma carreira de 90 anos no show business.


Betty com o elenco de Hot in Cleveland, que durou de 2010 a 2015

Betty nasceu em 17 de janeiro de 1922 em Oak Park, Illinois. Com pouco mais de um ano, mudou-se com sua família para a Califórnia. Foi desde a infância uma entusiasta da natureza e dos animais. Primeiro ela quis ser uma guarda florestal, mas naquela época mulheres não podiam exercer a profissão. Como alternativa, White descobriu vocação para escrever. Durante uma peça na época de sua formatura, inspirada por ídolos do cinema, gostou de atuar e decidiu então seguir carreira de atriz.

Seu primeiro trabalho no show business foi durante um programa de rádio quando ela tinha apenas oito anos de idade. Mas só depois de terminar o colegial, em 1939, que Betty começou de fato a sua carreira, revezando rádio, TV, atuação, e trabalho como modelo. Durante a Guerra, White deu uma pausa e se voluntariou pelo seu país, desde ajudando com o transporte de mantimentos até participando de eventos com os soldados antes deles partirem para missões. 


Na época de voluntária na guerra, anos 40


Com o fim da guerra em 1945, Betty voltou a procurar trabalho na indústria do entretenimento. Até o fim da década ela foi casada duas vezes, mas ambos os casamentos terminaram em divórcio porque seus maridos não aceitavam que ela tivesse uma carreira como artista. 


Rejeitada pelo cinema no começo de sua trajetória, Betty fez história no rádio e na TV

Ela foi persistente, mesmo sendo recusada pelos estúdios de cinema, que diziam que ela não era fotogênica. Decidiu-se pelo rádio, já que lá não importava se era fotogênica ou não. A atriz fazia de tudo um pouco: cantar, fazer esquetes, improvisar, até participar de inúmeros game shows. Aos poucos se tornou uma figura frequente na programação da TV, apresentando talk shows ao vivo, o mais famoso Hollywood on Television. Nos primórdios da televisão, White foi uma das primeiras mulheres da indústria a ter controle dentro e fora das câmeras nos seus programas. Foi também a primeira produtora mulher de uma sitcom,  em 1952 com a série Life with Elizabeth.

De lá para cá, Betty White estrelou tantas séries e apresentou tantos programas que tudo renderia um post só dela. Podemos concluir que ela é recordista no quesito longevidade na indústria, o que lhe rendeu título no Guinness Book. Ela tem oito Emmys, três SAG Awards, três American Comedy Awards e ainda um Grammy. Betty ganhou também uma estrela na Calçada da Fama e um lugar no Television Hall of Fame. 

Alguns de seus livros autobiográficos são Here We Go Again e If You Ask Me (And Of Course You Won't).


Com seu terceiro e último marido, Allen Ludden, com quem foi casada entre 1963 e 1981, quando ele faleceu. Betty não casou outra vez e considerou Allen o grande amor de sua vida


Durante a cerimônia de sua estrela na Calçada da Fama, em 1988 - a sua estrela fica do lado da estrela do seu marido Allen


Betty White, além de progressista e um ícone LGBT+, também amava os animais e foi uma ativista engajada na causa animal


Meu autógrafo da Betty White, quando mandei carta em 2014. Ela assinou duas fotos e pagou ela mesma pelo reenvio para mim


Obrigado por ler e espero que eu tenha despertado o interesse no show e no trabalho de todos os envolvidos. 

Thank you for being a friend! (essa é a música tema da série e não podia ser melhor). 



Pedro Dantas

Dezembro de 2021


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